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Lutar é com ela

Medalha de bronze em Londres, Adriana Araújo nocauteou a depressão e perdeu peso. Novamente em forma, é a grande esperança do boxe brasileiro nos Jogos Olímpicos do Rio

postado em 02/03/2015 08:42

Há dois anos, a baiana Adriana Araújo enfrentou o pior adversário fora dos ringues: a depressão. Medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos de Londres’2012, a boxeadora entrou em atrito com a Confederação Brasileira de Boxe (CBBoxe), se afastou dos treinos, engordou seis quilos e ficou mais de um ano longe da Seleção Brasileira. Não conseguia nem sequer assistir a uma luta completa e chegou a cogitar abandonar a carreira pouco depois de se transformar na primeira mulher brasileira a subir em um pódio olímpico no boxe.

Faltando pouco mais de um ano para os Jogos Olímpicos Rio’2016, Adriana, aos 33 anos, corre contra o tempo para recuperar a boa forma e voltar ao pódio nos leves (até 60kg). Em fevereiro do ano passado, em reunião com representantes do Ministério do Esporte e o presidente da CBBoxe, Mauro Silva, a lutadora selou a paz com a entidade e se reintegrou à Seleção, que treina em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo.

“Sempre fui profissional e fiz meu trabalho. Eles fazem a parte deles e eu a minha. A confederação tem dado todo suporte de que eu preciso. Infelizmente, foi da forma mais chata, mas serviu para mudanças de ambas as partes”, explicou Adriana, que se afastou da Seleção, em abril de 2013, disparando contra o presidente, a quem tratava como um ditador. “Amizade (com Mauro Silva) não tem tanta importância, pois é uma relação de trabalho.”

Superada a depressão, a pugilista se prepara para o pré-Pan, que serve de classificatório para o Pan-Americano de Toronto. A competição mais importante, no entanto, será no início do ano que vem: o Mundial de Boxe, que vai definir os classificados para o Rio’2016. Com o peso recuperado, Adriana está confiante. “O ano passado foi de muita superação. Voltei com muita derrota. Fui prata no Pan-Americano, não tive êxito no Mundial. Hoje, percebo que tenho outro corpo, outra técnica, outro físico. Tive que sofrer muito com o corpo para colocá-lo em estágio de competição”, brinca.

Adriana chegou ao boxe ao acaso. Aos 16 anos, em 1999, precisou conciliar os estudos e o trabalho de medidora em uma companhia elétrica. “Trabalhei até 2009, andando para cima e para baixo em Salvador”, lembra Adriana. Ela foi levada à academia por uma amiga. Ficou com medo no primeiro dia, deu os primeiros jabs no segundo e, em uma semana, já nocauteou a companheira. Passado um mês, recebeu o convite para lutar. Quando tinha 18 anos, seu professor, Luiz Dórea – atual treinador de Anderson Silva –, percebeu que tinha uma lutadora com potencial para ser campeã mundial em mãos. “Ele me perguntou se eu lutaria pra valer. Eu respondi: ‘Se me botar pra lutar, eu luto.”

SUPERAÇÃO Fã de Mike Tyson e do sergipano Kelson Pinto, Adriana enxergou uma grande chance quando soube da notícia de que as mulheres competiriam em uma Olimpíada pela primeira vez, em Londres’2012. O Brasil não ganhava uma medalha olímpica nos ringues desde a Cidade do México’1968, com o bronze de Servílio de Oliveira nos moscas. “O boxe surgiu como surpresa. Sempre foi um patinho feio, onde ninguém esperava medalha, mas mudamos essa história e deixamos um legado.”

Desconhecida, Adriana teve ascensão fulminante na capital inglesa. Venceu suas duas primeiras lutas e caiu na semifinal, perdendo para a russa Sofya Ochigava. Como no boxe não há disputa de terceiro e quarto lugares, conquistou o bronze inédito, mesmo com o revés. Em 2016, Adriana terá a russa e a irlandesa Katie Taylor como principais oponentes. “São lutadoras de escolas diferentes. As asiáticas fazem trabalho de velocidade, agilidade. A Europa trabalha força, são atletas que partem para dentro. Mas em campeonato de tiro curto, como a Olimpíada, não dá para escolher. A gente tem que condensar as qualidades e partir para cima.”

Adriana garante que, nos bastidores da luta, é respeitada pelas rivais, que a encaram como uma das favoritas dos leves nas competições internacionais. “Elas sabem da minha força e que se elas vacilarem vão cair”, brinca, para logo emendar: “Mas estou treinando para melhorar ainda mais para chegar no Rio com a força e a velocidade de um guepardo”.


QUEM É ELA
Adriana dos Santos Araújo
Nascimento: 4/11/1981, em Salvador
Altura e peso: 1,69m e 60kg
Categoria: leves (até 60kg)
Títulos: bronze olímpico em Londres (2012); heptacampeã pan-americana (2005 e 2007-2012), quinta colocada no Mundial de Quinquadao – CHN (2012), octacampeã brasileira (2003-2005 e 2007-2011).

O baixo legado de Londres

O Brasil encerrou em Londres’2012 o jejum de 44 anos sem medalha olímpica no boxe – e foi em alto estilo. Além do bonze de Adriana Araújo, os irmãos capixabas Esquiva e Yamaguchi Falcão ficaram com a prata e o bronze. Os bons resultados começaram um ano antes com outro baiano, Éverton Lopes, primeiro brasileiro a sagrar-se campeão mundial, no meio médio ligeiro.

Mas o objetivo do Brasil de terminar entre os 10 países com mais medalhas no Rio’2016 pode ir à lona justamente por causa de um dos esportes mais bem-sucedidos em 2012: o boxe. Os três homens com melhores resultados da história do país não poderão competir em casa por terem se profissionalizado – o boxe olímpico permite apenas atletas filiados à Associação Internacional de Boxe Amador (AIBA, em inglês).

Os três lutadores abriram mão da chance de disputar uma Olimpíada em casa pelo mesmo motivo: falta de apoio, reconhecimento e, claro, pelas altas cifras oferecidas pelo boxe profissional. O primeiro a migrar para o profissionalismo foi Esquiva, de 25 anos, que no sábado chegou à sétima vitória em sete lutas. Em Tampa, na Flórida, ele nocauteou o norte-americano Mike Tufariello e deve lutar mais quatro vezes até o fim do ano. Ele pertence à Top Rank e pode disputar o cinturão dos médios até 2017.

Em janeiro, Éverton Lopes firmou contrato com a Golden Boy, empresa do lendário Oscar de la Roya, que agencia Yamaguchi Falcão e promoveu os últimos combates do norte-americano Floyd Mayweather, o atleta mais bem pago do esporte mundial. “O legado deles foi ter ganhado a medalha e agora estão abrindo caminho para nós no boxe profissional. Eles tiveram grande importância para recolocar o Brasil no cenário internacional do boxe.”

CHANCES Com a saída dos três, Adriana passa a ser a principal chance de medalha, mas não a única. No último Mundial Feminino, em novembro, na Coreia do Sul, Clélia Costa ficou com a medalha de bronze na categoria até 51kg. Entre os homens, Robson Conceição lidera o ranking mundial dos leves. Robenílson de Jesus e Myke Carvalho são outros nomes que podem surpreender e manter o Brasil no pódio em 2016.