COLUNA DO JAECI

País do faz de conta

Tudo é mais difícil hoje. Até estacionar o carro nas imediações do estádio é proibido. O cidadão tem de caminhar quilômetros para chegar ao Mineirão

postado em 22/10/2014 14:00

Jaeci Carvalho /Estado de Minas

Enquanto Cruzeiro e Palmeiras se enfrentam hoje no Mineirão, pela 30ª rodada do Brasileiro, com ampla vantagem do time mineiro, sete pontos à frente do São Paulo, segundo colocado, estamos na reta final para a eleição presidencial num país cujos valores estão completamente invertidos. Por isso, adoro a frase de Arrigo Sacchi, ex-técnico da Seleção Italiana: “Futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes da vida”.

Em São Paulo, na estrada para Santos, um grupo de bandidos travestidos de torcedores faz emboscada para pegar torcedores rivais, considerados inimigos mortais. Em campo, jogadores se agridem, árbitros são venais, dirigentes batem boca. A anos-luz atrasados em todos os aspectos, não vejo vontade de melhorar o quadro grave. O futebol já foi válvula de escape, com jogos de alto nível e torcedores lado a lado com camisas diferentes. Houve um tempo em que isso era normal. Hoje, o cidadão não pode nem sair à rua com a camisa do time do coração, sob pena de ser massacrado, agredido e morto. Brigas entre gangues é o que mais tem nos estádios. O Goiás, por exemplo, foi recentemente punido por causa de conflitos entre facções e atuará com portões fechados. Virou rotina.

Dirigentes ricos fazem negociatas com empresários. Clubes quebrados, de pires na mão, pedem antecipação de cotas à TV para pagar salários. Jogadores estão sem receber há três meses, mais sete de direitos de imagem, caso do Botafogo. Facções invadem vestiários para cobrar mais empenho de jogadores, em forma de socos, pontapés e xingamentos. Triste retrato que alguns tentam esconder ou vendem imagem falsa. Chegamos ao fundo do poço, e a goleada de 7 a 1 para a Alemanha na Copa não foi acaso. Não duvidem se acontecer novamente, pois já não somos os donos da bola há tempos. Vivemos uma sociedade doente, em que o futebol sente os reflexos.

Hoje, o Cruzeiro recebe o Palmeiras, no Mineirão. Horário excelente, 19h30, mas duvido que o Gigante da Pampulha esteja cheio. O cidadão de bem está desistindo de ir a campo, de levar o filho, sob o risco de perder a vida, se não para assaltantes, para bandidos travestidos de torcedores. Cruéis, eles continuam a barbarizar por saber que não existe punição. Seria mágico ver o estádio lotado. Afinal, o time celeste está com a mão na taça, lidera o Brasileiro com eficiência e competência. Mas, em vez de festejar uma equipe que joga para a frente e destoa da concorrência, estamos preocupados com a violência sem fim. Tudo é mais difícil hoje. Até estacionar o carro nas imediações do estádio é proibido. O cidadão tem de caminhar quilômetros para chegar ao Mineirão. A BHTrans, ao invés de facilitar, quer mais é complicar.

Chegamos ao ponto de a Polícia Militar não fazer a segurança dentro dos estádios. É responsabilidade dela nos proteger e não ficar de prontidão para uma emergência. Seguranças particulares não são capazes de conter a fúria desses marginais ávidos por soltar uma bomba, lançar um sinalizador, bater, matar... Precisamos da PM dentro e fora dos estádios. Se com ela nos dando proteção já está difícil, imaginem sem... Vejam que tudo conspira para que o cidadão de bem se afaste do esporte mais popular do país. Que procure outras formas de lazer. Que preserve sua vida e a de sua família.

Clubes endividados e quebrados, negociando Refis para lá e para cá, pagam salários irreais a treinadores e jogadores. Hoje, qualquer técnico medíocre não ganha menos de R$ 300 mil mensais. Atletas repatriados faturam mais do que na Europa, sem render um quinto do que renderam. Não há responsabilidade fiscal, dirigentes brincam de gerir os clubes, deixando-os inviáveis. Outro dia perguntei a um dono de empresa aérea se ele pagaria R$ 1 milhão por mês a um CEO que lhe desse um lucro de R$ 100 milhões anuais. Categórico, ele disse que não. Pagaria o que o mercado determina, para não inflacionar sua folha. Porque o dinheiro sai do bolso dele, que paga impostos e tem de administrar com responsabilidade fiscal.

Já os dirigentes de clubes não estão nem aí. Sem lei que os puna, vão gastando o que têm e o que não têm só para fazer média com torcedores. Ando de saco cheio de tanta maracutaia. Meu tempo no futebol está se esgotando. Ainda me resta um pouquinho de paixão pelo esporte que pratiquei e amei a vida toda, mas essa chama está se apagando.

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