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Guilherme relembra infância, fala sobre história no Atlético e vê DM como pior lugar do futebol

Em entrevista exclusiva, atacante do Galo revela uma vida cheia de superações

postado em 31/03/2015 08:01 / atualizado em 31/03/2015 16:34

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Já recuperado e com contrato renovado, Guilherme é um dos trunfos do Atlético para os jogos decisivos da Copa Libertadores, contra Sante Fe, Atlas e Colo Colo. Mas, antes disso, o jogador passou por um início de ano cercado de indefinições. Enquanto tratava de uma lesão na coxa direita e seus representantes negociavam sua renovação, as atenções do meia-atacante também estavam voltadas para o estado de saúde de seu pai. Nilson Gusmão ficou internado no Maranhão por conta de um princípio de infarto. Guilherme passou o Natal e o ano novo ao lado do pai, em São Luís, onde teria permanecido se não tivesse que se apresentar ao Galo no início de 2015.

”Graças a Deus ele já está em casa, se recuperando. Então, assim que for possível, vou visitá-lo para passarmos um tempinho juntos no Maranhão”, diz o armador do Atlético, em entrevista exclusiva ao Superesportes.

Rodrigo Clemente/EM/D.A Press
Guilherme cresceu sem a presença da mãe, Maria Milhomem, já que seus pais se separaram quando ele tinha poucos anos de vida. A distância materna fez com que o atleta desenvolvesse um alto grau de companheirismo com o pai. Durante sua infância, esperava ansiosamente pelas férias escolares para curtir uma de suas maiores alegrias: viajar com o pai caminheiro. Ao lado de Nilson, fez uma das viagens mais memoráveis dos seus tempos de criança, entre o Maranhão e São Paulo.

Enquanto desenvolvia afeição pelas viagens de caminhão, Guilherme também dava seus primeiros passos no mundo do futebol: “Minha vida se resume em bola”.

No Maranhão, atuou pelo Bacabal. Em seguida, foi para o Real Salvador, da Bahia. Durante a passagem pela equipe baiana, chamou a atenção de Emerson Ávila, então treinador da base do Cruzeiro, que o levou para a Toca. As boas atuações pelo time principal da Raposa, a partir de 2007, levaram Guilherme para a Europa dois anos depois. Aos 20 anos, foi contratado pelo Dínamo de Kiev da Ucrânia por 9 milhões de euros (parte em dinheiro e parte em forma da cessão definitiva de Kleber ao Cruzeiro).

No Leste Europeu, também foi emprestado ao CSKA Moscou, da Rússia. Ao lado da esposa Bárbara, o atleta teve dificuldades para se adaptar à cultura local. Foi nesse período que conheceu uma figura que mudaria o rumo da sua vida. Tratava-se de Alexandre Kalil, ex-presidente do Atlético, que viajou até a Ucrânia para contratá-lo.

Na volta ao Brasil, encontrou outro desafio: superar a rejeição de parte da torcida atleticana, que insistia em lembrar do seu passado no rival Cruzeiro. Esse cenário adverso só teve uma reviravolta em 2013, com o decisivo gol marcado sobre o Newell’s pela semifinal da Libertadores. “Entrei vaiado naquele jogo para fazer um dos gols mais importantes da história do clube e ainda bater um pênalti”.

Na entrevista abaixo, Guilherme conta outros momentos emocionantes vividos no Atlético, como é a dura rotina de tratamentos e recorda como foi o reencontro com a mãe, já em sua fase adulta.

Marcelo Sant'Anna/EM/D.A Press
Como era sua vida no Maranhão? Passou por alguma dificuldade na infância ou na juventude?

Eu, graças a Deus, nunca passei fome, porque meu pai sempre trabalhou duro, mas também nunca foi uma vida salgada, de luz, de brinquedos. Ainda mais porque, quando eu era muito novo, meus pais se separaram. Na época, eu tinha de dois para três anos. Foi uma criação mais com o meu pai e com a minha avó. No mais, minha vida se resume em ‘bola’. Em todo intervalo que eu tinha, o que fazia era jogar bola. Aos seis, sete anos, entrei na escolinha para ter aquele compromisso de treino. E desde que me entendo por gente, sempre teve bola no meio.

Como foi a infância com seu pai?

Nessa época, meu pai era caminhoneiro. Na minha infância, uma das minhas alegrias era poder viajar com ele durante as férias escolares. Era um dos melhores momentos que tínhamos. Teve uma viagem que me marcou que foi quando fomos para São Paulo. Demorava muito, eu ficava perguntando: ‘pai, não chega?’ E quando voltamos para o Maranhão, fiquei todo contente, parecia que tinha ido para a Europa (risos).

Você conheceu sua mãe só na fase adulta?

Eu a conheci em 2008. De lá para cá, começamos a ter mais contato. Ficamos praticamente 20 anos sem nos vermos, falávamos por telefone, mas não havia contato pessoalmente. Quando meus pais se separaram, minha mãe foi embora para o Mato Grosso. Então, sempre houve o desejo, mas as condições financeiras e de tempo não eram das melhores. Já no profissional é que tive uma condição melhor, de poder trazer ela para perto. Ela também se casou, teve filhos.

E seu pai, onde ele vive atualmente?

Meu pai continua no Maranhão. Inclusive, nesse período em que se falava de renovação, foi muito difícil para mim. Meu pai quase morreu, passei o Natal e o ano-novo com ele, que estava internado em São Luís. Ele sofreu um principio de infarto, foi descoberto também um problema nos rins, que agravou a diabetes dele. Mas mesmo com meu pai precisando de mim, fui profissional e me reapresentei no início do ano normalmente para a pré-temporada do Atlético. Desde então, não o vejo. Mas, graças a Deus, ele já está em casa, se recuperando. Assim que for possível, vou visitá-lo para passarmos um tempinho juntos no Maranhão.

Como veio parar em Minas Gerais, mais especificamente na base do Cruzeiro?

Por volta de 2002, 2003, eu jogava no Real Salvador, na Bahia. O clube fez uma parceria com o Cruzeiro, que mandou seu treinador das categorias de base, que na época era o Emerson Ávila, para me observar no Real Salvador por uma semana. Ele gostou de mim e me levou para fazer testes por um mês. Então, dos 21 garotos que vieram para Belo Horizonte, só ficaram seis. E eu estava nessa turma.

Depois de se destacar no Cruzeiro, você jogou no Dínamo de Kiev, da Ucrânia, e no CSKA, da Rússia. Como foi se transferir ainda muito jovem para a Europa?

Foi um sonho que eu realizei de poder ir para a Europa, de ser vendido novo. No Brasil parecia que era uma regra se transferir para fora ainda jovem. Mas eu podia ter aproveitado melhor, podia ter insistido mais. Ter aproveitado mais a cultura do país. Mas não consegui assimilar muita coisa, não consegui entender a filosofia do clube. Tive muito conflito, vivia lá com a cabeça no Brasil. Sentia falta da torcida, da gritaria, desse calor daqui. Eu fui junto com a minha esposa, nós dois tínhamos a mesma idade, fomos sem pai, mãe e sem orientação. Não tinha ninguém mais velho com pulso para nos orientar. Eu podia ter tido mais calma. Mas não me arrependo de ter voltado, por mais que eu tenha vivido bons momentos na Rússia, pois conquistei muitas coisas.

Em relação ao seu retorno ao Brasil, o Atlético fez um investimento alto para contar com você. Na época, foi a maior contratação da história do clube. O Kalil sempre demonstrou confiança em você, o Levir recentemente frisou a sua importância dentro do elenco. Qual o significado do Galo em sua vida?

Muito grande, principalmente por causa desse moço que é o Kalil. Me marcou muito ele ter ido na Ucrânia, isso para mim foi muito diferente. Para sempre vou ter um carinho especial por ele. Lembro que, quando vim para o Galo, muitos amigos da bola me perguntavam: ‘o que você veio fazer no Atlético?’ O clube vinha de um momento muito complicado, não era igual hoje, mas as coisas mudaram. Hoje de fato posso dizer que faço parte de uma geração que colocou o Galo onde ele merece estar. Por isso, fiquei feliz em poder estender essa história. Parece um prazo curto de renovação, mas o ano ainda está no início. Espero continuar essa caminhada vitoriosa que tive aqui. Então, o Atlético representa isto para mim: vitórias e conquistas.

Ramon Lisboa/EM/D.A Press
Qual foi seu maior momento no Galo?

Vou citar dois. O primeiro foi o gol contra o Newell’s Old Boys (pela semifinal da Copa Libertadores de 2013), por toda situação daquele dia. Houve até apagão no estádio. Foi um peso que saiu das minhas costas. Entrei vaiado naquele jogo para fazer um dos gols mais importantes da história do clube e ainda bater um pênalti. Pela pressão, pelo jogador que eu era antes daquilo, foi sem dúvidas um momento marcante para mim. E contra o Corinthians (Copa do Brasil, 2014), acho que foi quando eu consolidei essa marca. Contra o Flamengo, a virada já era algo possível, já se esperava que poderia acontecer. Contra o Corinthians, não. Entende? Parecia impossível reverter aquele placar. Eu acho que confirmei contra o Corinthians o meu valor, a minha frieza, a experiência que tenho.

E a maior dificuldade?

Em relação às dificuldades que enfrentei, está estampado nesse negócio de lesão. Mas acho que o mais difícil foi ir para o Mundial de Clubes, de 2013, e não ter entrado. Eu estava fazendo excelentes treinos e me senti impotente, porque é uma oportunidade difícil de acontecer novamente. Quais jogadores daquele elenco voltarão a disputar um Mundial? É uma chance que posso não ter mais, sinto que poderia ter contribuído, mudado as coisas. Tem uma questão dentro do time que não se discute: fora de campo, posso até ser marcado por lesões, mas dentro de campo minha condição não se discute. Queria ter entrado e ter ajudado no Marrocos, mas não pude. Eu acho que poderia ter mais uma vez ter colocado meu nome ali.

Em abril de 2013, Sérgio Suarez, seu empresário, divulgou uma nota revelando que você estaria insatisfeito no Atlético e citou a possibilidade de negociá-lo. Como foi esse momento? Você chegou a pensar em sair do Atlético, em busca de novos desafios?

Nem lembro bem o que houve direito. Acho que, naquela época, tinha recebido uma proposta de 75% do passe por sete milhões de euros. Não fui liberado, não tive compensação e ainda não jogava. Isso gera vontade de sair? De chutar o balde? Não, porque isso não é da minha característica, porque sou profissional. Mas você revê suas condições, o que é melhor para a sua família. Mesmo assim não me liberaram, não tive reajuste de nada e continuei sem jogar. Acho que a discussão ocorreu basicamente por isso. No futebol isso é uma discussão comum, acontece, faz parte desse lado profissional. Mas, meses depois, fomos campeões da Libertadores e as coisas melhoraram.

Fora de campo, você parece ser um jogador discreto, centrado na família. O que você costuma fazer nos momentos de folga?

Nessa você acertou (risos). Eu sou um cara bem mais caseiro, não gosto de muvuca, baderna. Claro que, como eu e minha esposa somos jovens, gostamos de um churrasquinho, de ouvir uma música boa, um sertanejo de vez em quando. Mas o que mais gosto de fazer é pescar, também costumo frequentar a igreja. E em todo lugar que vou, levo a família sempre comigo.

Você já tem uma filha. Pretende ampliar a família?

Pretendo, sou muito cobrado a ampliar a família. Minha esposa mesmo sempre me cobra. Quero ter certeza que vou cuidar bem de todos, dar conforto, educação. Poderia até já ter arrumado outro, estou só esperando conseguir uma confiança maior nesse ponto. Mas logo o ‘cabra’ sapeca outro aí! (risos).

Tem vontade de ser pai de um menino?

Tenho. Eu fico pensando como que vai ser o rosto dele, com quem vai parecer. Fico ‘viajando’ assim em questão de porte físico, estrutura de corpo, se vai ser parecido comigo. Se vai levar jeito para jogar futebol. É algo que eu não vou impor, não vou interferir. Mas tomara que ele goste (risos).

Tem alguma pessoa que foi a mais importante para você nessa sua história no Atlético, algum amigo em especial?

Deus foi a pessoa mais importante para mim, Pois tudo que tenho vivido me fez aproximar mais de Deus. Porque aqui no mundo, todos falham, todo mundo erra, mas Deus é justo. Tudo que passei fez eu me aproximar muito Dele, fez eu aprender que Ele é o mais importante.

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Como você reagia ao ser diagnosticada uma nova lesão? Onde encontra apoio e motivação nesses momentos adversos?

Isso,  por muito tempo, foi me consumindo, me doendo, me desgastando. Fui ficando um cara deprimido, triste, porque realmente lesão depende em partes. Quando você faz tudo para não ter lesão, mas tem, o que você faz? A cobrança que vem é a mesma. As pessoas não entendem, não querem saber. O que é mais interessante é que você machuca, mas não fica só na piscina, você não fica só deitado em casa. O que as pessoas sabem sobre o tratamento? Que tipo de tratamento é esse? Será que você fica só comendo pão de queijo e tomando cafezinho?

O DM é o pior lugar que existe no futebol. Enquanto todos estão de folga, você está lá em se tratando em dois períodos. E ainda tem o pior tratamento que existe, que é o mental. Você está com a cabeça arrebentada, porque as pessoas estão jogando e você está ali, se tratando. Mas, graças a Deus, eu não tenho nada crônico. Preciso me dosar, às vezes ficar fora de um treino, de um jogo, o que é normal. Outros atletas machucam tanto quanto eu, mas não são dão divulgados assim, dá menos ibope. As pessoas gostam quando sou eu. Mas, se Deus quiser, vão ter cada vez menos essa noticia.

Você é um jogador jovem, tem 26 anos e está no ápice da carreira. Quais são seus planos? Pensa em Seleção Brasileira, por exemplo?

Eu penso. Primeiro, penso na minha condição física e me reintegrar ao grupo. Mas isso é questão de tempo. Depois, penso em conquistar mais títulos no Atlético e ir para a Seleção. Vejo que o Dunga tem seus homens de confiança, mas ainda há espaço no grupo. Tenho certeza que estão observando e, quando aparecer oportunidade, vou abraçar. Existem jogadores mais velhos que eu que estão indo, então acredito que posso ter chance. Vejo que tenho condições, então o que eu tenho que fazer é simplesmente estar em campo. Se eu ficar em campo, muitas coisas boas vão acontecer para mim, para o clube e para a torcida.

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