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Entrevista com Eduardo Batista: Japão, terremoto, retorno e Nelsinho Batista

"Meu filho ainda acorda assustado: Pai, a cama está tremendo"

postado em 08/01/2012 13:29 / atualizado em 08/01/2012 13:34

Celso Ishigami /Diario de Pernambuco

Filho de um dos maiores ídolos da torcida do Sport, o preparador físico Eduardo Batista está de volta à Ilha do Retiro. Graduado em Educação Física pela PUC-SP, e mestre em Fisiologia, ele revelou o motivo pelo qual resolveu deixar de trabalhar com Nelsinho no Kashiwa, atual campeão japonês e com uma boa participação no último Mundial de Clubes da Fifa. O terremoto que abalou o Japão no primeiro semestre de 2011, deixou marcas nele, na mulher e nos dois filhos. Responsável pela preparação física leonina em 2008 e parte de 2009, quando o Sport conquistou a Copa do Brasil e teve um bom desempenho na Libertadores, ele projeta novos sucessos para o time.

Qual a importância de Nelsinho na sua carreira?

Apesar de ter estudado bastante, o fato de ser filho de Nelsinho ajudou. Principalmente, no começo da minha carreira. Mas, por outro lado, as pessoas sempre me viam como o filho de Nelsinho. E eu era obrigado a mostrar que não estava ali por acaso. Tinha que mostrar minha competência. E a pressão era sempre muito maior. Mas isso me deu uma base muito forte. Espero um dia poder voltar a trabalhar com meu pai.

E o que fez com que você resolvesse deixar de trabalhar com ele?
Eu adoro o Japão. Morei ali durante sete anos, admiro a cultura, falo japonês. Só mesmo uma tragédia seria capaz de fazer com que eu optasse por deixar de trabalhar com meu pai, num país tão maravilhoso como aquele. E, infelizmente, foi justamente isso que aconteceu, né? Eu, minha mulher e meus dois filhos morávamos muito perto da área atingida pelo terremoto. A escola onde meu filho estudava desabou parcialmente e ele sofreu algumas lesões.

Onde você estava naquele momento?
Estávamos no trem bala, rumo à Osaka, para disputar uma partida pelo campeonato japonês quando tudo aconteceu. Em sete anos, já havia passado por vários terremotos no Japão. Mas aquele foi diferente. Pela intensidade do tremor, soube que não era como das outras vezes. E quando vi os japoneses chorando, tive a certeza de que algo muito ruim tinha acabado de acontecer.

E depois que o terremoto passou?
Minha primeira reação foi ligar para a minha família. Aliás, tentar ligar. Os telefones nem davam sinal. Na hora, veio o medo… O pânico. E o desespero só aumentou quando recebemos as primeiras notícias. As imagens mostravam a dimensão da destruição e as ondas invadindo as cidades. Aquela era a nossa realidade. Não podia acreditar que eles tinham chegado ao Japão há menos de um mês. Eles conheciam poucas pessoas e não falavam japonês. Foram as 20 horas mais angustiantes que já vivi, até conseguir o primeiro contato com a minha mulher. Eles haviam sido levados para um abrigo.

Como foi o reencontro com sua família?
Chegar até onde eles estavam foi outra batalha. Demorei dois dias até encontrá-los. Com os principais acessos completamente destruídos e o medo de novos terremotos, tudo ficou muito mais difícil. Lembro que quando consegui chegar numa cidade a uns 40 km de onde eles estavam, pensei em botar o agasalho e ir correndo. Mas os japoneses são muito disciplinados e solícitos. Um deles me disse pra ter paciência que chegaríamos todos juntos. E realmente chegamos. Foi quando consegui sossegar um pouco. Mas nem deu tempo de descansar. No dia seguinte, explodiu uma usina de Fukushima. E depois a segunda. E depois a terceira. Tudo isso a 80 km de onde a gente estava. Aí não tinha mais como segurar o emocional. Principalmente por causa da minha família. O caso do meu pai, por exemplo, foi diferente. Ele conseguiu manter a calma, porque a família dele ficou no Brasil e resolveu permanecer para honrar o compromisso com o time e com os jogadores. Mas eu não tinha a menor condição de permanecer lá. A minha responsabilidade com minha esposa e duas crianças era muito grande.

Ficou algum trauma?
Todos continuamos abalados por algum tempo. Algumas vezes, meu filho ainda acorda assustado, dizendo que a cama está tremendo, balançando. Mas isso está passando. Aos poucos, tudo está voltando ao normal.

Além disso, que lembranças você guarda do Japão?
Só lembranças boas. Aliás, do Japão, você não traz lembranças, e sim aprendizados. Mais do que a cultura, você aprende a respeitar o próximo. Lá você entende que nunca está acima de ninguém. Para você ter uma ideia, antes de eu aprender a falar japonês e precisava comprar alguma coisa, eu dava minha carteira para pessoa tirar o dinheiro. Essas coisas fazem muita falta.

Por que o Sport no retorno ao Brasil?
Se me pedissem para vir de graça para o Sport, eu acho que até viria. Foi um local que marcou minha vida. Adoro o Recife. Já havia recebido uma proposta para voltar, no meio do ano passado, mas não achava que era a hora. A hora é essa. Pegando um trabalho do começo. Só quem trabalhou e ganhou aqui sabe o que é vestir essa camisa. Sem dúvidas, foi aqui que conquistei o melhor momento da minha carreira. O Sport está em primeiro lugar.