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REFENO

Repórter do Superesportes conta como foi encarar 31 horas num barco até Noronha

A bordo do Mussulo III Angola Cables, reportagem viveu na pele o que passam velejadores durante uma regata como a Recife-Fernando de Noronha (Refeno)

postado em 04/10/2015 10:00 / atualizado em 08/10/2015 17:25

Alexandre Barbosa /Diario de Pernambuco

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No jornalismo diário, nos acostumamos a contar histórias a partir do ponto de vista de outras pessoas, a quem entrevistamos. É difícil aparecerem oportunidades em que você conta a história baseado no que vivenciou pessoalmente. Essas são chances únicas, como a que tive ao participar como tripulante de uma Regata Internacional Recife Fernando de Noronha (Refeno). Foi a bordo do Mussulo III Angola Cables que realizei a travessia de 540 quilômetros. E é essa história que vou contar a seguir, pedindo a licença para escrever em primeira pessoa.

O desafio era grande, mas após fazer a cobertura de três Refenos, pela primeira vez surgia a chance de fazer a travessia de barco. Uma vontade antiga. Por iniciativa do Cabanga Iate Clube, e contando com o apoio dos veleiros que colocaram vagas à disposição, foi criada a categoria imprensa, inédita até então. Três jornalistas. Cada um em barco. Quem chegar primeiro a Fernando de Noronha fica com o título.

Fui sorteado para o Mussulo III, um Bavária 55, já rodado em regatas, tendo feito provas como a Cape Town-Rio, a maior competição náutica do Atlântico Sul. A tripulação era experiente. Eu seria o único novato no mar. E a primeira pergunta foi justamente essa ao conhecê-los: "Já velejou?". Não, nunca. Apenas havia feito a cobertura de alguns eventos náuticos. O olhar deles na minha resposta já mostrava o tamanho do desafio. Não seria fácil.


O lado ruim
E não foi. A tranqüilidade e a festa da largada são breves se comparadas à previsão de 30, 35 horas no mar. Uma das minhas pautas no barco era registrar em vídeo tudo o que acontecia. E eu estava crente que conseguiria. Ao menos no início, consegui. Mas, então, a gente ganha o mar. E, enfim, o desafio começa de verdade.

Sim, eu enjoei. Essa era a principal curiosidade e questionamento das pessoas a mim antes da viagem. O "mareio" é uma reação fisiológica, uma resposta do corpo ao balanço do mar, que afeta o labirinto, responsável pelo equilíbrio do nosso corpo. Remédios ajudam a diminuir os efeitos. E eu tomei os que me indicaram. Talvez eles tenham amenizado os efeitos. Não evitaram completamente.

Passei boa parte da viagem enjoado. Nas mais de 30 horas que passei no barco, vomitei três vezes. Uma no primeiro dia. Duas no segundo. Nada do que comi durante a viagem "ficou". O sanduíche de frango do almoço. As três bolachas de água e sal e uma maçã. Tomei a decisão de recusar tudo o que me foi oferecido. E os mais experientes comem de tudo, mesmo num barco. Chocolate, salgadinho, biscoitos e até a feijoada do imediato Júnior.

O lado bom
A experiência no mar é incrível. E parece até uma contradição, após o breve relato sobre os enjoos. Com a tripulação do Mussulo, aprendi muita coisa. Fui me acostumando com o vocabulário náutico. Orçar, caçar, bordo, bombordo e a principal palavra: escora. Essa era a minha função no barco. Não tinha a menor noção das atividades de um veleiro. Mas lá dentro ninguém pode ficar sem fazer nada. E a minha contribuição foi servir de "escora", que significa ir para o lado contrário da embarcação quando ela pende para um lado - o nome disso é adernar. Quem não fazia nada naquele momento, fazia escora.

Estar num barco de regata como o Mussulo, que entrou na Refeno para fazer um bom tempo e vencer a sua categoria, significa pouco ou nenhum conforto. Fazer a escora cansa, machuca e dói. Ir para dentro da cabine era impossível para mim. E o apelido dela durante uma viagem explica o motivo: coqueteleira. Não dormi no barco, mas cochilei bastante. Sonos intercalados, de 30 minutos a uma hora. Quando estava na escora ou fora dela. Cochilar era bom. Quando se dorme, não enjoa, porque o sistema nervoso está “desligado”. Ao acordar, me sentia muito melhor. A não ser pelos imprevistos. Como um bom banho de água do mar. Como o que todos levamos, às 3h da madrugada. Inesquecível.

Cortesia

Após a terceira vez que vomitei e decidi não comer mais, apenas tomando água para hidratar, consegui levar melhor a viagem. Falei pouco, dadas as minhas condições, mas ouvi muito. E se fala de tudo dentro de um barco. Assim como há momentos de profundo silêncio. Afinal, são mais de 30 horas. Nas últimas delas, pude sentir um pouco do prazer de velejar. O pessoal disse que você não passa mais do que dois dias mareado. Acho que estava me acostumando.

Olhar para o céu limpo em meio ao oceano é incrível. Ver o sol se pondo de um lado e a lua cheia nascendo do outro ao mesmo tempo foi uma imagem que guardei. Assim como as lições dessa cansativa viagem. A principal delas eu já havia ouvido num relato de um velejador e que pude comprovar pessoalmente. Sobrevivente de um acidente que o deixou 35 horas à deriva até ser ser resgatado, durante a Refeno 2014, Jorge Neves me disse: “Ali, no barco, no meio do mar, a gente viu que todo mundo é igual”. Verdade.

Além de mim, a tripulação do Mussulo III Angola Cables tinha nove pessoas. Entre eles, estavam um renomado neurocirurgião paulista, um alto dirigente de uma multinacional angolana, o dono de um haras no interior de São Paulo, um funcionário da Petrobras, além de velejadores profissionais. Eu era “o jornalista”. Mas, ali, títulos, profissões, condição de vida, pouco importavam. Um dependia do outro. Todos se ajudavam. Sabe aquela expressão “todo mundo no mesmo barco”? Pronto. Faz muito sentido agora.

Certamente, na minha volta, vão me perguntar se faria de novo. Eu mesmo questionei isso aos meus colegas que viajaram em outros dois barcos - e cada teve uma história bem especial para contar. No meu caso, a resposta sincera é: pensaria duas vezes, mas não negaria de cara. No barco, também comentamos. “O que leva a gente a passar por tudo isso?”. O tempo do Mussulo foi de exatamente 31 horas, 15 minutos e 2 segundos - recorde do barco, terceiro geral a chegar, vencedor das categorias RGS e Imprensa.

De avião, do Recife a Noronha se leva cerca de uma hora. Fiz esse percurso três vezes. Na quarta, decidi fazer diferente. E se houver uma quinta, também estou decidido. Sim, eu faria de novo. Para ouvir o silêncio absoluto ser quebrado pelas ondas e as histórias contadas pelos tripulantes. Ajudar na escora ou de qualquer outra forma. Para ver se a experiência ajuda a não enjoar tanto da segunda vez. Acima de tudo, para rever o céu limpo novamente. Ver o sol se pondo de um lado, a lua cheia nascendo do outro ao mesmo tempo. Vale a pena.

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