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Orçamento, prazo e modernização: a volta do Náutico aos Aflitos começa a se materializar

Reportagem esteve no estádio durante a semana e encontrou um cenário diferente da última visita, que era de completo abandono com a casa do Timbu

postado em 25/06/2017 14:21 / atualizado em 26/06/2017 16:43

Nando Chiappetta/DP
Trata-se de uma obsessão de dez entre dez torcedores do Náutico: retornar para casa. Ver reaberto o estádio dos Aflitos para ontem, possível fosse. Agonizando em meio à intensa disputa política, o clube sofre com os maus resultados em campo. É lanterna da Série B. Difícil dizer se as arquibancadas vazias da Arena de Pernambuco são uma consequência do mau futebol ou se as últimas apresentações, pífias, têm alguma relação com o eco que invade as cadeiras, carentes da massa timbu. Solitário, a 18 quilômetros de distância para o moderno estádio em São Lourenço da Mata, os Aflitos, recém-centenário, aniversário sem direito a sopro de velas, aguarda paciente o momento de renascer.

No último mês de abril, o Eládio de Barros Carvalho completou 100 anos de existência. Um ícone do futebol pernambucano, onde foram realizadas mais de três mil partidas, segundo dados do pesquisador Carlos Celso Cordeiro, falecido em 2016. E olhe que 41% dos jogos não teve o Náutico em campo, foram compromissos dos rivais. Passando uma régua no cenário histórico, uma comissão foi criada há um ano para cuidar da eterna casa alvirrubra, que não recebe jogos oficiais em campeonatos desde 27 de maio de 2014, quando o Timbu enfrentou o Avaí pela Série B - já sob a campanha da torcida a fim de voltar para casa.

Nando Chiappetta/DP
Por enquanto, o cenário atual dos Aflitos é de desolação, embora não mais de abandono - como era meses atrás. Com salários atrasados em quatro meses, os funcionários já não se obrigam a ter tanto zelo. A reportagem do Superesportes flagrou o lixo se acumulando pelos cantos. Os banheiros, aguardando reforma, estão imundos. Os focos de entulhos (com cadeiras e ferros do antigo alambrado, por exemplo), porém, indicam um alento: o que era velho está virando lixo. Abrindo espaço para o novo, o moderno.

Otimismo

Atual presidente da comissão paritária, composta por seis membros indicados pelo executivo e outros seis do Conselho Deliberativo, o advogado Luiz Filipe Figueirêdo acredita que o Náutico possa voltar a mandar jogos nos Aflitos novamente a partir do Brasileiro de 2018. Para tanto, estima-se um investimento que gira em torno de R$ 4 milhões. Atualmente, o clube possui R$ 1 milhão em mãos - fruto de receitas de cotas de televisão destinadas à reforma. Para conseguir o restante, muitas parcerias estão sendo costuradas e outras estratégias para contar com o apoio do torcedor estão sendo preparadas.

“Os recursos vão vir de dois caminhos: um é o autofinanciamento, através de campanhas junto a torcedores. A outra é através de recurso externos, com empresas que têm interesse em fazer a transmissão do primeiro jogo da volta aos Aflitos, por exemplo. É algo que chama muita atenção. Há empresas que querem fazer um grande evento, não só envolvendo a área interna, mas também externa ao campo. Naming rights, consumer rights, tudo isso está no planejamento. Além de campanhas para o torcedor participar, como coisas mais simples, como a venda das cadeiras antigas como relíquias, por exemplo, passando por campanhas mais arrojadas que lançaremos em breve”, detalhou Luiz Filipe.

Andamento da reforma

Gramado
No início deste mês, o Náutico confirmou a compra de 9 mil metros quadrados de grama. O tipo escolhido foi a Bermuda Celebration, a mesma da Arena de Pernambuco. O investimento foi de R$ 69,3 mil. Sob a supervisão do conselheiro e engenheiro agrônomo Peter Halasz Gati, o clube está matando o antigo gramado com aplicações de herbicidas - por isso, o aspecto feio do piso, algo normal, parte do processo de recuperação. O prazo estimado para que a nova grama seja colocada é de 90 dias, tempo para o rebaixamento do campo. Antes da grama, será colocada uma camada superficial de terra vegetal, uma camada intermediária com areia e uma terceira camada, mais profunda, com brita. Na sequência, será implantado o sistema de irrigação embutido.

Alambrado e traves

Nas últimas semanas, a comissão paritária anunciou a compra das traves e redes para o estádio. Tanto que, quando o Superesportes esteve nos Aflitos, nesta semana, encontrou alguns funcionários trabalhando para desenterrar a base de concreto das antigas traves. Sobre os novos alambrados, o clube negocia duas possibilidades. “Recebemos uma empresa especializada e estamos decidindo se será de vidro, como o Orlando Scarpelli, ou se vamos utilizar o modelo de grade como fez o Flamengo na Ilha Governador”, disse Luiz Filipe Figueirêdo.

Parte estrutural

A maior parte dos custos para o retorno aos Aflitos diz respeito às partes estrutural, hidráulica e elétrica. Todos os antigos refletores precisarão ser trocados, bem como praticamente toda a parte elétrica. Reformas nos vestiários (local, visitante e árbitro), nos banheiros, bares, sala de imprensa e bancos de reservas estão no projeto. “Não adianta o torcedor achar que a gente vai fazer uma reforma assodada. A gente quer muito voltar, pode ter certeza, mas queremos voltar de forma estruturada. Isso passa por um projeto bem elaborado. Precisamos ampliar saídas para atender as licenças, mas queremos ampliar de forma que possamos explorar comercialmente”, ressaltou o presidente da comissão paritária.



Campanhas

O clube não especifica quantas, mas poucas foram as as antigas cadeiras que compunham as arquibancadas dos Aflitos vendidas. As 1.700 peças, comercializadas como “relíquias”, custam R$ 600 e seguem à disposição do torcedor com a finalidade de custear a reforma. Também foi lançado o programa “Amigo dos Aflitos”, para os sócios. “Funciona assim: o torcedor que quiser antecipar dez anos de mensalidade de sócio, pode fazer dividindo em até 12 vezes. O sócio paga hoje R$ 65 ao mês. Contando dez anos, sem contar qualquer tipo reajuste, pagaria R$ 7.800 ao longo da década. Se aderir ao programa, ele pagará R$ 6 mil, economizando R$ 1.800”, disse Luiz Felipe.

 Marlon Diego/Esp.DP

Kuki e Gilmar: o reencontro com os Aflitos

Os olhares ficaram perdidos por alguns segundos. Rostos perplexos. Recordações passando na mente como em um flash. O primeiro impacto do reencontro com os Aflitos, logo foi substituído por sorrisos amarelos. “Tomei um susto agora. Bastante”, suspirou o atacante Gilmar, que voltou a vestir a camisa timbu nesta Série B após oito anos. “Estava falando com o Kuki aqui... Eu imaginava que não estava legal, mas não nessa situação”, confessou. À convite da reportagem do Superesportes, a dupla de atacantes que defendeu o Timbu entre 2008 e 2009 voltou ao estádio alvirrubro com ares de saudosismo.
 
Atleta que mais vestiu a camisa alvirrubra (387 jogos) e quarto maior goleador da história do clube (179 gols), Kuki carrega também o orgulho de ser o segundo maior artilheiro do estádio com 115 gols, apenas 11 atrás de Bita, o número um. Atual auxiliar-técnico, o ídolo torce para ver os Aflitos de novo na ativa. “Tinha visto como estava só por fotos, não vinha fazia um tempo. Mas ver assim é complicado. Tomara que comece logo o processo de restauração”, disse.
 
Com muitas histórias para contar e presente nos dois últimos títulos conquistados pelo Timbu (em 2001 e 2004), Kuki recorda a força dos Aflitos em vitórias cruciais - como no acesso à Série B, em 2006, com a vitória sobre o Ituano. “Isso aqui estava lotado, pulsando”, recorda. “E foi um ano após aquela situação (a Batalha dos Aflitos, em 2005)”, acrescentou. “A gente perdeu jogos aqui dentro, mas como Tite (atual técnico da seleção) disse quando veio jogar contra a gente 2012. Ele disse que a gente jogou melhor. Admitiu. Muita gente já se apegava a essa questão do gramado já para justificar a derrota. O Náutico aqui foi superior aos adversários pelo futebol e com ajuda do torcedor”, recorda-se Kuki.
 
Gilmar foi artilheiro do Náutico em 2009 com dez gols. Em alta, deixou o Timbu naquele ano para a Europa, o Guingamp, da França. E ficou a saudade mútua. “Foram anos inesquecíveis. O maior trunfo da gente aqui era o calor da torcida. É muito próximo. Era motivante. Parece que a gente sentia o torcedor falando no seu ouvido. Não dava para desistir sem reagir”, lembra. “Tenho certeza que essa torcida vai voltar a ser muito feliz aqui de novo. Vamos fazer de tudo para voltar ano que vem, no mínimo na Série B. É o mínimo que a história desse estádio, desse clube e essa torcida merece. Mas um clube desse tamanho merece mais”, pontuou Gilmar.

A linha do tempo dos Aflitos

Década de 1910
Em 1917, a Liga Sportiva Pernambucana, atual FPF, arrendou um terreno no bairro dos Aflitos, junto ao empresário Frederico Lundgren, com o objetivo de construir um campo de futebol. Estrutura simples, com a cancha murada e cercada por árvores. A entidade pretendia utilizá-lo nos jogos oficiais do campeonato estadual, com as 29 partidas daquela edição disputadas por lá. A primeira em 8 de abril, Sport 4 x 1 Paulista. Na decisão, um Clássico das Multidões (ainda sem esse apelido), com Sport 3 x 1 Santa. No ano seguinte à inauguração da cancha, a Liga desistiu do terreno e o Náutico prontamente assumiu os custos do arrendamento. Pagou 250 mil réis por quatro anos.

Década de 1920

O Náutico passou a ser o dono definitivo do campo em 1921, dando início às primeiras melhorias, incluindo a entrada da sede. A foto mais antiga data de 1926 (acima), ano do título do Torre, o único clube à parte do Trio de Ferro levantar a taça no local. Num torneio e pontos corridos com oito times, o “Madeira Rubra” sagrou-se campeão ganhando do Náutico na última rodada.

Década de 1930

De campo a estádio. Começando pela mudança da posição do campo, com as barras saindo do sentido leste/oeste para o norte/sul, mantido até hoje. Surgiram também os primeiros degraus da arquibancada, apenas três, com a reabertura do local, já com status de “estádio”, em 25 de junho de 1939. Na ocasião, goleada alvirrubra por 5 x 2 sobre o Sport. Gols de Wlson (2), Bermudes, Celso e Fernando Carvalheira.

Década de 1940
O estádio dos Aflitos ganhou um sistema de iluminação em 19 de junho de 1941. Curiosamente, em um jogo que não envolveu o Náutico, Great Western 2 x 2 Flamengo do Recife. Na época, começou também a construção das sociais e cadeiras, uma estrutura ainda existente. Um jogo marcante na década ocorreu em 1º de julho de 1945, com a maior goleada da história do futebol local, Náutico 21 x 3 Flamengo. Tará balançou as redes nove vezes.

Década de 1950
O formato clássico dos Aflitos até meados dos anos 1990 foi finalizado na década de 1950, com a conclusão das arquibancadas e do antigo placar, conhecido como “Balança mas não cai” – um símbolo do futebol pernambucano. Além disso, foram construídos os túneis de acesso ao vestiário e colocados os primeiros alambrados. Época marcada por títulos, com o bicampeonato nos Aflitos em 50/51. O tri viria em plena Ilha do Retiro, ganhando os dois turnos. Em 1953, o estádio ganharia o nome de “Eládio de Barros Carvalho”, presidente do clube em 14 oportunidades, a primeira em 1948, quando incentivou a obra.

Década de 1960

A década dourada do Náutico, com o hexacampeonato estadual, boas campanhas na Taça Brasil, chegando à final, e participação na Libertadores. Nos Aflitos, a principal alteração foi construção das cabines de imprensa centrais. De lá, o registro audiovisual do recorde e público. Na decisão de 1968, no hexa, foram 31.061 torcedores espremidos assistindo in loco ao gol de Ramos, Náutico 1 x 0 Sport. O Recife acompanhou ao vivo na televisão.

Década de 1970

Dez anos sem grandes transformações. Com a inauguração do Arruda, em 1972, e a ampliação da Ilha, pouco antes, o Náutico jogou várias de suas principais partidas, no Estadual e no Brasileiro, nos campos rivais. Apesar disso, um jogo em especial aconteceu nos Aflitos, em 11 de dezembro de 1974. Náutico 1 x 0 Santa, com o 15º título pernambucano do timbu evitando o hexa tricolor. Ou seja, lá no Eládio nascia o bordão “Hexa é Luxo”.

Década de 1980

O Arruda estava novamente em obras, agora para a construção do anel superior. Paralelamente a isso, a direção timbu apresentou o “plano de expansão” dos Aflitos, em 28 de novembro de 1981. O estádio contaria com novas gerais, fosso, camarotes, cabines de imprensa e um novo lance de arquibancada no lugar do velho placar. Com isso, dobraria a capacidade, chegando a 50 mil lugares. “Não faremos dos Aflitos o maior estádio, mas o mais aconchegante”, frisou o então mandatário, Hélio Dias de Assis. Lendo assim, até parecia algo pequeno, mas seria um dos maiores estádios particulares do país. A obra não saiu, com o clube usando parte do recurso obtido no Bandepe para a reforma do calçamento na sede. Já os Aflitos virou praticamente um campo de treino, com apenas 140 partidas em dez anos.

Década de 1990

A segunda grande ampliação foi iniciada em 1996, com o aumento das arquibancadas laterais e central, tendo como consequência a demolição do “Balança mais não cai”. Um trabalho coordenado por Raphael Gazzaneo, que, de forma paulatina, foi arrecadando recursos junto à torcida para a construção de pequenos módulos num primeiro momento. Não por acaso, a obra duraria sete anos! Já em 1997, no quadrangular final da Série B, o estádio recebeu 28 mil torcedores para Náutico 0 x 2 América Mineiro.

Década de 2000
Em 2002, chegou ao fim o primeiro módulo da reforma, com a conclusão do anel inferior, com 22.856 lugares – já com a nova medição da Fifa, com 50 centímetros por pessoa. Anel inferior?! Isso mesmo, pois o projeto original de ampliação e modernização dos Aflitos previa uma capacidade de 34.050. A versão final, prevista até 2007, teria dois tobogãs cobertos e interligados por duas vigas metálicas. Ao todo, seriam 28.950 assentos no cimento, 4.500 cadeiras e 600 lugares nos camarotes, cuja venda dos espaços bancaria parte da obra. No período, o maior público foi na fatídica “Batalha dos Aflitos”.

Década de 2010

Com a Copa do Mundo no Brasil, proliferaram projetos de arenas de norte a sul. Na capital pernambucana foram nada menos que seis, incluindo a Arena Pernambuco, a única erguida. O próprio Náutico chegou a apresentar dois projetos de arena, deixando de lado a ampliação imaginada em 1996. Em 2013, o clube assinou um contrato de 30 anos para atuar na arena em São Lourenço. Com isso, parou até a manutenção dos Aflitos. Três anos depois, a rescisão unilateral do acordo por parte da Odebrecht, com o clube iniciando mais uma reforma em sua verdadeira casa, desta vez para obter os laudos básicos exigidos pela CBF – no último jogo, um amistoso com o Decisão, em 2015. Sonhando com o recomeço da centenária história em 2018…