Mais Esportes

BOXE

Campeão olímpico, Robson Conceição avisa: não estará em Tóquio-2020

Lutador está focado nas lutas profissionais nos EUA. Enquanto isso, a revelação de novos nomes para a Seleção é prejudicada pela falta de recursos

postado em 27/03/2017 06:00 / atualizado em 27/03/2017 19:14

 Christian Petersen/Getty Images/AFP

Éder Jofre, Servílio de Oliveira, Maguila, Popó, os irmãos Esquiva e Yamaguchi Falcão. Os nomes brasileiros que fizeram história no boxe — tanto olímpico quanto profissional — cabem nos dedos de duas mãos. Atualmente, o grande atleta em evidência é Robson Conceição, dono do único ouro olímpico do país na modalidade. O pugilista migrou para o cenário profissional após a conquista inédita nos Jogos do Rio-2016.

Com três lutas e três vitórias, duas delas por nocaute, Conceição sente a oportunidade no boxe profissional como o maior benefício de ter subido no pódio olímpico. Contratado pela Top Rank, uma das maiores empresas do ramo nos Estados Unidos, ele se tornou “colega de trabalho” do lendário Manny Pacquiao.

Em nova realidade, o baiano nem cogita voltar a competir nas Olimpíadas. “O boxe olímpico foi uma fase muito importante de aprendizado para mim, mas já passou. É missão cumprida”, avisa o campeão, em entrevista ao Correio. Apesar de já poder disputar o título mundial do boxe profissional devido à fama alcançada com o título olímpico, Conceição prefere esperar para ganhar mais confiança. Os irmãos Falcão, Esquiva e Yamaguchi, também ainda não lutaram por cinturões.


Uma vida dupla entre as versões profissional e olímpica da modalidade é inviável, devido à diferença dos treinos. “No olímpico, você tem que treinar o tempo todo porque tem que se preparar para todos os estilos de adversários. No profissional, o treino é forte, usa mais força e a preparação é focada em um adversário específico”, explica.

Só material humano

Mesmo para quem ganhou uma medalha de ouro inédita, é difícil se manter com o boxe no país. “No Brasil, temos muito material humano, mas não temos recursos para levar para frente”, lamenta Conceição. Especialistas concordam que a mão de obra no Brasil é extensa, mas ainda falta mercado para os dois tipos de boxe. No mercado e na hora da luta, é possível notar divergências entre o olímpico — antigamente conhecido como amador — e o profissional. Mesmo num ambiente de tantas diferenças, as dificuldades são compartilhadas.

Basta observar o número de rounds de cada luta. No boxe olímpico, as lutas masculinas têm a duração de três rounds de três minutos, cada; no profissional, a disputa de título mundial pode chegar a 12 rounds de três minutos cada. A pesagem, o uniforme e o tamanho das luvas também mudam. Na parte financeira, o retorno ao atleta também é diferente. Segundo o técnico da Seleção Brasileira de Boxe, Mateus Alves, os atletas olímpicos, geralmente, vivem de bolsas federais ou salários que recebem da confederação e clubes. Os profissionais ganham um valor por luta.

Para Alves, no fim, os dois cenários são falhos. Diante de um mercado profissional fraco, os lutadores têm de ir para os Estados Unidos, grande polo do esporte, para procurar se inserir no mercado. Para ele, isso é um grande prejuízo para os atletas do país, pois todos os boxeadores promissores procuram a modalidade olímpica. “A confederação não tem como dar suporte para todos. Esse não pode ser o único meio de os atletas continuarem uma carreira internacional”, critica.

Apesar da falta de espaço para boxeadores, ele exalta os bons resultados em Olimpíadas nos últimos oito anos, com um saldo de quatro medalhas em dois Jogos: “Temos pela frente uma nova etapa para chegar com esse nível de estrutura no próximo ciclo”. Renovar os atletas é um passo necessário, pois a migração para o mundo profissional é comum após as conquistas no olímpico.

O mercado brasiliense

Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press
Em Brasília, a dificuldade em conquistar um espaço no mundo do boxe é sentida pelos pugilistas. A falta de costume da prática da modalidade na capital pode ser notada pela idade da federação que rege o esporte na cidade. Criada em 2007, a recente entidade é filiada à Confederação Brasileira de Boxe (CBB) e organiza os campeonatos no Distrito Federal. Atualmente, 136 atletas no masculino e oito no feminino estão associados.

Longe de ser um dos principais pontos que identificam futuros talentos, como é o caso de Bahia e São Paulo, a cidade começou a se destacar nos campeonatos dos últimos anos. Segundo a presidente e fundadora da federação local, Patrícia Justino, antigamente se falava muito pouco do boxe brasiliense. “Quando algum atleta de fora enfrentava um de Brasília, ele não se preocupava. Era como uma luta ganha. Hoje, batemos de frente com os outros estados”, conta.

Um dos principais títulos é o de Gabriel Bonfim, 19 anos, campeão brasileiro juvenil em 2015. Ele conquistou também o interesse de olheiros do cenário profissional. Há um ano nos ringues, fez quatro lutas e saiu vitorioso em todas. O sonho é ser campeão mundial ao lado do irmão Ismael Bonfim, 21, que também migrou para o profissional por influência do mais novo. Ambos são treinados pelo irmão mais velho, Odair Bonfim, 43.

Com poucas palavras, Gabriel conta que a mudança surgiu graças à sua última conquista. “Quando ganhei o Brasileiro, algumas pessoas vieram me levar pro boxe profissional.” O irmão do meio, mais extrovertido, completa. “Ele se destacou e vários empresários já abriram os olhos. O objetivo não é ficar muito tempo aqui”, assegura.

Papel de coadjuvante

Os treinos são feitos na academia de Odair em São Sebastião, onde a família mora. Sem o estereótipo de filmes do esporte, o local é simples. O tatame, cercado por aparelhos de musculação, é apenas coadjuvante no local. Segundo o treinador, as máquinas é que sustentam o lugar. “Nosso objetivo principal é um dia viver profissionalmente da arte marcial”, conta. A transição para o mundo profissional ilustra a vontade. “Às vezes, falta oportunidade. Hoje, para você entrar na Seleção, enfrenta algumas barreiras”, critica.

Já o cenário do esporte na vida de Edson Foro, 22, é outro. O pugilista luta a modalidade olímpica. O interesse começou na adolescência, mas somente aos 19 anos ele começou a treinar efetivamente quando conheceu seu treinador e conseguiu uma bolsa na academia onde treina. Hoje, além de atleta, ele assumiu o papel de professor de boxe para conseguir comprar os equipamentos.

Bicampeão brasiliense em 2016, o boxeador pensa em mudar o rumo e tentar algo na luta profissional. “Eu comecei o boxe olímpico um pouco velho. Tive uma evolução rápida, mas se fosse para entrar na seleção estaria em desvantagem”, avalia. Ele confirma que até mesmo o estilo de combate é mais parecido com o profissional.

Para ele, o obstáculo do DF é a pouca quantidade de atletas. Edson nunca chegou a ter problemas para arrumar lutas na cidade, mas explica como o número de lutadores reduzido pode prejudicar. “É mais fácil tirar dois atletas bons entre 10 do que dois entre dois”, presume.