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PÔQUER

As cartas estão na mesa: pôquer rompe barreira do preconceito e Pernambuco entra no roteiro

Modalidade ganha adeptos sendo marcada por habilidade e move cifras milionárias

postado em 22/01/2017 16:00 / atualizado em 24/01/2017 19:13

Ricardo Fernandes/DP
No trânsito intenso da avenida Domingos Ferreira, no bairro de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, carros escolhem o estacionamento do número 2363 como o endereço. Em seguida, a entrada de uma boate fica para trás. É quando degraus levam o visitante a uma sala ampla com palco e bar nas extremidades e várias mesas de pôquer ao centro. É o Villa Hold’em. Por lá, as noites são de movimento intenso. Acontecem até campeonatos. Atravesse a cidade. Chegue à Zona Norte do Recife. No não menos congestionado trânsito do bairro das Graças, na Rua do Cupim, número 53, uma sala dentro de uma barbearia, a Confraria da Barba, abriga outra mesa de pôquer. No entorno dela, amigos se reúnem para jogar o Texas Hold’em, a modalidade de pôquer que mais se difundiu com ajuda da internet.

As cartas, literalmente, estão na mesa. Os caminhos levam ao crescimento do pôquer e o tiram da sombra da marginalidade, deixando para trás o estigma de jogo de azar. Reconhecido como esporte da mente pela Associação Internacional de Esporte da Mente (IMSA), em 2010, e tendo a Confederação Brasileira de Texas Hold’em (CBTH) ligada ao Ministério do Esporte, em 2012, a modalidade, marcada como instigante pelos praticantes, está liberado e abraça cerca de 8 milhões de adeptos entre profissionais e amadores em território nacional, movimentando muito dinheiro.

Crescimento no estado

Em Pernambuco, o cenário é de crescimento pleno. Seja de maneira profissional ou entre amadores. No último fim de semana, em sua segunda edição, o campeonato estadual chegou na última de cinco etapas em um evento que distribuiu um total de R$ 265 mil com 800 inscrições para o torneio.

O circuito inteiro concedeu premiações em torno de R$ 500 mil, segundo o presidente da Federação Pernambucana de Texas Hold’em (FEPETH), Eloy Vasconcelos, de 43 anos. De 8 a 12 de fevereiro, o Recife recebe ainda abriga uma das etapas do Nordeste Poker Series, no Mar Hotel, em Boa Viagem, com premiação garantida de R$ 200 mil, e está cotado para receber uma etapa do Campeonato Brasileiro, o Brazilian Series Of Poker, pela primeira vez na história até o próximo ano.


Segundo Vasconcelos, que largou a mineração para administrar a casa de pôquer Villa Hold’em e chegou no comando da entidade no ano passado, há um quadro de 1500 filiados à FEPETH. Em Pernambuco, existem sete clubes liberados para a prática, onde é preciso se associar para disputar os torneios.

“Você paga por um ingresso para participar, a casa fica com 20% e o resto é distribuído em premiação. Tem alguns torneios que são de graça. Quando as pessoas perdem as fichas, pagam R$ 20 para jogar e tentar o acesso a uma competição maior. Hoje (última quarta), por exemplo, ofertamos prêmio de R$ 1 mil garantido”, conta.

Nando Chiappetta/DP

Barba, cabelo e pôquer

Há ainda outros locais em que o pôquer é jogado com um caráter menos competitivo. A Confraria da Barba, por exemplo, abriu espaço no estabelecimento para a prática do pôquer e acaba ajudando na popularização e quebra de tabus. Entre os que frequentam o espaço inaugurado no ano passado estão o internacionalista Cézar Martins Almeida, 27 anos, e o engenheiro Augusto Andrade, 25, praticantes da modalidade há cerca de dez anos. “É um esporte que junta muitas estratégias, estuda gestos. É um esporte que intriga muito, a emoção fica muito à flor da pele”, afirma Cézar. “Não é nem um pouco jogo de azar. Tem muita estratégia”, acrescenta Augusto.

Febre no Brasil

Crescendo em Pernambuco, o pôquer já é gigante no Brasil. O país tem um campeonato nacional, chamado de Brazilian Series Of Poker. Este ano, a competição chega na sua 11ª temporada e inicia com a etapa em Punta del Leste, no Uruguai, de 2 a 7 de fevereiro. É um cenário, aliás, que os empresários da área costumam fazer, misturando o jogo com o turismo. A competição tem desde a sua estreia um aumento ano a ano de participantes, mas, em 2015, contou com 3.457 inscritos, um número recorde de participantes na América Latina para uma única etapa.

Um dos responsáveis pelo crescimento do jogo é o presidente da Confederação Brasileira de Texas Hold’em (CBTH)  Igor Trafane, de 43 anos e há oito no cargo. “O pôquer é a somatória das pessoas que gostam dele, praticam e que defendem a ele. Essas pessoas são muito engajadas. Todo mundo que pratica o pôquer sofreu, principalmente no início, alguma espécie de preconceito ou desmerecimento. Era como se  fosse uma coisa menos nobre. Por conta disso, as pessoas se uniram e brigaram frontalmente. É óbvio que ações da confederação brasileira são importantes e reconhecidas e eu fico feliz com isso. Mas, se a gente não tivesse praticantes engajados, isso seria efêmero”, afirma o também empresário do ramo e antigo praticante.
BSOP/Divulgação

Não é jogo de azar

Juridicamente, o pôquer ganhou decisões nos tribunais em vários estados e teve sua prática liberada desde 2012 no Brasil. Os praticantes classificam a atividade como um jogo de habilidade e da mente, onde a sorte tem peso menor nos resultados. O fator aleatório (a distribuição das cartas) é visto como apenas uma variante e não determina o vencedor. Para comprovar essa visão, adotam estudos estatísticos.

No Brasil, já existem 22 federações, vários clubes autorizados e um mercado ativo em dinheiro. Com isso, o pôquer se distancia das demais atividades que ainda têm a sua prática vedada pelo decreto-lei 3.688, baixado pelo governo de Getúlio Vargas em 3 de outubro de 1941. Foi a intitulada Lei das Contravenções Penais, que proíbe a exploração e a prática dos jogos de azar e afirma: "consideram-se jogos de azar aqueles em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte".

 Nando Chiappetta/DP
“Existem órgãos capazes de definir o que é  legal ou não para a sociedade brasileira e pôquer já passou por mais de uma centena de julgamentos tendo 100% de vitória em todos os tribunais, onde ele comprovou juridicamente que ele não é um jogo de azar. Esportivamente, ele já está filiado a Abrespi, que é a Associação Brasileiro de Esportes Intelectuais. Então, esportiva e juridicamente, ele não é um jogo de azar”, afirma o presidente da Confederação Brasileira de Texas Hold’em, Igor Trafane.

Entre os homens

As mulheres começam a quebrar barreiras no pôquer. Considerado um esporte praticado predominantemente por homens, pode ter essa imagem revertida. Gabriela Roal, de 23 anos, conheceu a modalidade há pouco mais de um quando passou a trabalhar como crupiê, profissional que dirige a mesa durante os jogos de pôquer. “Daí surgiu a oportunidade de poder jogar. São poucas mulheres do Recife que praticam. Além de dar carta, comecei a estudar o jogo”, conta a especialista, que se tornou campeã pernambucana no último fim de semana.

Brasileiros de destaque

Thiago "Decano" Nishijima foi o último brasileiro a conquistar um torneio do Campeonato Mundial de Pôquer, o WSOP. Em 2015, ele levou uma premiação de R$ 1,863 milhão. Alexandre Gomes (2008) e André Akkari (2011) foram os outros dois jogadores do país a conseguirem o mesmo feito. Na categoria online, Yuri "theNerdguy" Martins conseguiu o melhor posto em termos de premiação ao ficar com o segundo lugar do evento principal do World Championship Of Online Poker (WCOOP) de 2014. Ele levou um montante de 708.251,00 dólares.

 

Entrevista com Igor Trafane, 42 anos, presidente da CBTH


Entrada na Confederação
"O processo de criação da confederação foi um pouco diferente das demais porque é mais recente. Foi uma união de jogadores que queriam brigar por direitos políticos, legais e pelo desenvolvimento do esporte no país. Eu era um deles. Na época, era um jogador  de elite no país. Existia um ranking e eu era líder do brasileiro no online. Fora isso, fui o primeiro campeão paulista de Omaha (outra modalidade do pôquer) e, até 2007, eu tinha o melhor desempenho brasileiro em campeonatos mundiais. Tinha um desempenho satisfatório. Juntando a isso, como tinha formação administrativa e tinha sido um empresário por muito tempo, demonstrei uma certa capacidade de liderança nesse aspecto corporativo que fez com que eu me elegesse presidente. Com isso, começou essa história da CBTH há oito anos."

O que ganha como presidente da CBTH
"Eu tenho uma série de negócios dentro do pôquer, uma revista que se chama Flop, um site que se chama Superpoker, um campeonato que se chama BSOP e um clube H2. Esses negócios são sim minha fonte de renda. A CBTH não tem remuneração. A gente fez questão que fosse assim e estou há oito anos como presidente. Pelo contrário. Meus negócios doam dinheiro para CBTH. A  gente queria que a confederação tivesse uma independência financeira e, por ser uma atividade muito nova, ela não tinha fonte de financiamento. Algumas pessoas físicas, no começo, e depois pessoas jurídicas começaram a doar dinheiro porque a gente precisa de uma confederação forte para que ela se desenvolva."

Planos para Pernambuco
"Todo ano uma etapa do campeonato brasileiro se dá no Nordeste. Há cinco anos, foi em Salvador. Há quatro anos, foi em Fortaleza. Já faz três anos que vem sendo em Natal. De uma forma ou de outra, o Nordeste sempre foi contemplado. Esse ano estamos negociando alguns destinos. Um deles é Pernambuco, que teve um avanço muito grande com a consolidação da federação do estado. Pernambuco tinha uma série de conflitos que afastava o surgimento de uma liderança muito clara no estado que concentrasse esforços na comprovação junto às autoridades locais  da licitude do pôquer e que desse um desenvolvimento mais amplo do jogo na  região. Isso que antes não vinha acontecendo, agora vem com Eloy. Ele vem desenvolvendo um trabalho muito forte na região. Portanto, para Pernambuco, nosso plano é que tenha uma etapa do BSOP este ano ou ano que vem."

Próximas ações
"Independente do presidente, a CBTH tem por intenção de continuar sendo a guardiã do jogador de pôquer no Brasil. As Federações têm a missão de difundir o esporte. Segundo, ela está regendo todo o processo de regramento dos jogos de habilidade no Brasil. Hoje se discute os jogos de azar, que deixem de ser ilegal e que passem a poder existir no país. Os jogos de habilidade têm uma preocupação muito grande de separar, apartar. Apesar de lutar para que os jogos de azar existam no Brasil por uma questão filosófica, nós queremos apartar os jogos de habilidade dos jogos de azar porque são duas coisas diferentes, que têm que ter tributação diferente. Essa é uma grande uma pauta de 2017 junto continuar a essa explosão. Hoje, a gente está em 22 estados e a gente quer estar em todas as unidades da federação."

Divulgação/BgC

Saída da presidência
"Para mim, meu objetivo pessoal, é deixar a entidade no fim de 2017 de forma digna. Entidade sempre foi uma entidade muito respeitada  pelos seus praticantes e adeptos. Normalmente,diferente das demais entidades esportivas. Isso sempre orgulhou a CBTH enquanto entidade e a mim como presidente. Mas, querendo ser diferente das demais e já sendo, ela faz uma alternância de poder. Depois de dois mandatos, um novo presidente deve ser eleito e o caminho do pôquer segue pujante."

Pessoas que ainda associam ao jogo de azar
"Elas podem associar o que elas quiserem com o que elas quiserem. O problema é que ela faz uma associação errada. Tem gente que ainda associa homossexualismo a doença. Tem gente que ainda associa negro a sub-raça. Tem gente que associa mulher ainda a ser menos capaz que o homem. Em suma, são associações erradas. O pôquer não é um jogo de azar. Isso já foi comprovado."

Avaliação do processo de regulamentação
"A legalidade de uma atividade não significa exatamente a regulação dela. Então, o pôquer já é uma atividade legal. Só que ele padece de uma regulamentação, de uma regulação específica. Por ele ser uma atividade nova, não existem regras que o regem. Eu venho tentando falar com autoridades e algumas instituições que são as que deveriam proceder essa regulamentação tentando convencer de que isso deveria ser feito. Eu acho que mais um ou dois anos vamos ter um conjunto de regras não só para o pôquer, mas para os jogos de habilidade no Brasil. Isso está bem perto de acontecer."