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ATLETISMO

Após aprendizado no intercâmbio, atleta pernambucana transmite seu conhecimento

Angela Alves participou do Programa Ganhe o Mundo e hoje dá aulas de inglês para companheiros do atletismo e até para o seu técnico

postado em 24/09/2017 16:59 / atualizado em 24/09/2017 17:25

Julio Jacobina/DP
Viajar para outro país proporciona experiências, amplia horizontes e cria a possibilidade de compartilhar conhecimento. É o caso da atleta Angela Alves. Aos 17 anos, a lançadora de martelo esteve na província de St. John’s, no Canadá. Foram seis meses no país canadense pelo Programa Ganhe Mundo. O intercâmbio ajudou no aperfeiçoamento na língua inglesa e despertou em Angela um desejo: ensinar o idioma. 

Ao chegar de viagem, em janeiro de 2016, Angela teve a oportunidade de colocar em prática o seu desejo. Dois meses depois da sua volta, retornou à escola São Sebastião, em Ouricuri, para terminar o ensino médio. Nesse período, ficou sabendo que o seu professor de inglês teria que se ausentar por motivos pessoais. Por causa da sua recente experiência internacional, foi convidada para dar suporte aos alunos. Foi “professora” de abril de 2016 a janeiro deste ano. Tinha aulas pela manhã e ensinava à noite. Essa era sua rotina.

Nesse mesmo período, Angela conheceu o atletismo. Participou de competições no interior do estado e teve destaque nas provas de corrida com barreiras. Teve contato com o projeto Atletismo Campeão, que possui “braços” no interior. Integrou-se e viveu uma evolução inda maior. Disputou neste ano o Campeonato Pernambucano, tanto a prova que tinha mais habilidade como também no lançamento de martelo. Seu desempenho foi tão positivo que conseguiu uma vaga para disputar no Norte-Nordeste, ocorrido em maio. Não só isso. Obteve também uma bolsa integral de estudos numa faculdade no Recife, através do programa Bolsa Atleta. Veio a mudança para a capital pernambucana. 

Além do estudo e dos treinos, tornou-se voluntária no Atletismo Campeão, projeto que faz parte da Associação de Apoio à Pessoa com Deficiência (AAPD), idealizado pelo seu treinador, Abraão Nascimento. Como? Ensinando inglês.
 
Angela notou que muitos atletas do projeto são selecionados para programas de intercâmbio. Por isso, achou importante dar um suporte da língua inglesa para seus companheiros. Hoje, dá aulas gratuitas na casa do seu treinador. Os encontros são realizados todos os domingos e começaram no dia 21 de agosto. Até o momento, tem quatro “alunos”: João André, 17 anos; Taynara Bento, 25 anos; Jerlon Lamarck, 21 anos e o treinador Abraão Nascimento, 57 anos. A ideia é cativar outros jovens que tenham o interesse de unir o esporte com a vontade de aprender um idioma.

APROVADA
Um dos alunos de Angela, o maranhense Jerlon Lamarck, fala sobre o início do projeto e a sua relevância. “Eu achei de suma importância essas aulas, tanto para a gente como para ela. Além da gente estar prendendo, ela também está exercitando seu conhecimento. A gente conversou e eu disse o quanto queria aprender inglês. Estou com o objetivo de ir para a Suíça, por isso quero saber outra língua para não chegar lá sem falar nada. Então, fizemos um grupo no Whatsapp e começamos a marcar as aulas”, explicou ele, que atualmente é destaque no ranking brasileiro masculino no salto em distância e triplo.

Carinhosamente chamada pelos frequentadores de suas aulas de “professora”, Angela compartilha do mesmo sentimento da sua primeira turma de inglês no Recife. Ela acredita na importância em aprender um idioma. “Eu acho muito importante aprender inglês. Vejo isso como uma oportunidade no mercado de trabalho e uma forma de poder se comunicar com as pessoas de todo o mundo. Pretendo voltar ao Canadá e também aprender espanhol e o francês”, comentou Angela.
  
Aluno de Angela pela 2ª vez
João André já vivenciou a experiência de ser aluno de Angela. Os dois estudaram juntos em Ouricuri. No período em que ela foi “professora substituta” na escola São Sebastião, João conseguiu uma vaga no programa Ganhe Mundo Esportivo. Não pensou duas vezes. Para melhorar seu conhecimento na língua inglesa e começou a acompanhar as aulas da amiga Angela. João André viajou para o Canadá e reconhece que as aulas da amiga o ajudaram. “As aulas de inglês dela me ajudaram bastante. Notei a diferença lá no Canadá, quando fiquei em Quebec. Hoje a gente compartilha tudo o que aprendeu” explicou João, que ficou de julho a outubro de 2016 no país canadense.
 
Papéis invertidos na sala
Nem sempre os mais novos são aprendizes e os mais velhos mestres. Quando essa ordem muda, não se altera o produto final da aprendizagem. Quando a aula é de inglês, o treinador de atletismo de Angela Alves, Abraão Nascimento, passa para o papel de aluno. Ela é quem comanda a aula.

Para Abraão, essa troca é fundamental. “É uma maneira de aproveitar essa oportunidade. Eu sempre quis fazer curso de inglês, mas começava e nunca terminava”, diz ele. “Essa questão de eu ser o treinador não impede que aprenda com meus atletas. Essa troca é bacana. Não existe isso de ‘eu sou o treinador e ela aluna’. Isso é uma dádiva. Essas aulas também me aproximam dos atletas. A maioria são do interior, de outro estado, como no caso do Jerlon. Eles vêm aqui em casa, normalmente depois do treino, e preparam até um ‘rango’ aqui, a gente come e fica de barriga cheia”, sorriu Abraão Nascimento.
A iniciativa de Angela também chamou atenção do treinador-aluno. Abraão se sentiu tocado com a sensibilidade da atleta. “Fico feliz que ela tenha esse perfil. É uma coisa que temos no Atletismo Campeão. Angela conseguiu captar isso. Essa humanização é uma das coisas que a gente conversa com todo mundo, principalmente nos dias de hoje, que são tão competitivos. Mesmo com a falta de recursos, quando se quer, faz”, explicou.

Os atletas também acham bacana ter a companhia do treinador nas aulas. “É muito importante. Passa uma confiança. Ele sempre compartilha experiências. Uma delas foi quando esteve na Colômbia e não conseguiu falar outra língua. Então isso é um incentivo. Viu que era importante aprender e quando Angela mostrou interesse em ensinar, ele foi o primeiro a querer as aulas”, explicou João André. 
 
O futuro como atleta, biomédica e professora
Julio Jacobina/DP
Ângela é, hoje, atleta. Vive uma experiência como professora de inglês e é aluna de Biomedicina - está no 2º período -, oportunidade proporcionada pelo esporte. Aos 17 anos, toca os três projetos em paralelo. Não descarta seguir por um dos três caminhos, dependendo de como tudo aconteça.

“Eu não me sinto bem quando fico parada. Se tem uma oportunidade, vou e aproveito. Gosto de ensinar as pessoas, principalmente inglês, mas não podia desperdiçar a chance de estudar com uma bolsa 100% paga pelo Programa (Bolsa Atleta). A gente não recebe dinheiro, mas só de pagar a faculdade, ajuda muito. A gente sabe o quanto é caro ter uma formação acadêmica hoje em dia. Agradeço ao esporte por essa conquista”, frisou Angela, que revela uma paixão pelo ofício de professora.

“Enquanto eu tiver oportunidade, vou ensinar. É uma coisa que faço de coração e não me atrapalha. Sei que tudo que você faz, volta para você. Não espero nada em troca, mas coisas boas voltam para a sua vida. Sei também da importância disso para meus amigos. É até uma coisa que queria falar. A gente não mantém uma relação de ‘professor e aluno’. Eles são meus amigos. A gente sai junto. É uma coisa bem de companheirismo. E por saber disso, tive essa ideia (de ensiná-los)”, explicou.