Copa do Mundo

FUTEBOL

Anfitriã já teve seu momento de glória

Depois de brilhar nas décadas de 1950 e 1960 e conquistar duas medalhas de ouro olímpicas, Rússia perdeu força no futebol

postado em 24/05/2018 16:04 / atualizado em 05/06/2018 21:00

Armando Nogueira/O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas/D.A Press
Sessenta e seis anos depois de se apresentar ao mundo como uma das grandes surpresas do esporte, então sob a bandeira da União Soviética, o futebol russo bem que gostaria de se eternizar no retrovisor, mirando não mais que as décadas de 1950 e 1960. Naquele tempo, respondeu aos desafios com certo brilho, sugerindo que poderia ir longe depois do ouro olímpico em Melbourne’1956 e da conquista da Eurocopa em 1960. Mas foi uma espécie de soluço paquidérmico. Acabou perdendo força e representatividade, ao mesmo tempo em que não teve capacidade para preparar novas gerações vitoriosas.

A estreia nas vitrines internacionais de peso começa com participação discreta em 1952, nos Jogos Olímpicos de Helsinque, caindo na primeira fase depois de uma vitória, um empate e uma derrota. A Seleção já estampava no peito a icônica grafia CCCP, as iniciais em cirílico que significam União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E assombraria os adversários em Melbourne’1956, ao emplacar 2 a 1 sobre a Alemanha Ocidental, empatar por 0 a 0 com a Indonésia (batida no tira-teima por 4 a 0), vencer a Bulgária por 2 a 1 e confirmar a taça com o 1 a 0 diante da Iugoslávia.

Vem em seguida a presença na Copa de 1958, batendo gigantes como a Inglaterra: 2 a 2 no primeiro duelo e 1 a 0 no confronto de desempate que levaria às quartas de final, quando seriam despachados pelos anfitriões, a Suécia, caindo por 2 a 0. O mesmo placar negativo diante da Seleção Brasileira, que pela primeira vez ia a campo com Pelé e Garrincha. Ali se agigantaria a figura de um dos maiores goleiros da história, Yashin, o Aranha Negra.

E se confirmaria um estilo centrado na obediência tática, na preparação de jogadas e no estudo minucioso dos rivais, a ponto de os analistas apontarem a postura soviética como “futebol de laboratório”. Foi o padrão que lhe assegurou a Eurocopa de 1960, com o título nos 2 a 1 sobre a Iugoslávia. Os soviéticos ainda teriam relevância na Copa do Chile’1962, caindo nas quartas de final (2 a 1 para os chilenos), e alcançariam sua melhor colocação em mundiais em 1966, na Inglaterra, com um terceiro lugar, superados por 2 a 1 por Portugal, de Eusébio. O sonho terminaria aí, já que outra vez, no México’1970, despedida nas quartas de final, com triunfo do Uruguai por 1 a 0.

A União Soviética, então, passaria à condição de figurante mundial – excetuando-se o segundo ouro olímpico em Seul’1988, ganhando a final do Brasil por 2 a 1. Com a dissolução do bloco no início dos anos 1990, a Rússia amargaria campanhas sem qualquer brilho. E a pior delas se deu em 2014, no Brasil, eliminada na primeira fase após empates com Coreia do Sul e Argélia e derrota para a Bélgica. O que torna maior o desafio para a Copa de 2018 como anfitriã.

À liga nacional russa não falta dinheiro, com presença maciça de estrangeiros, incluindo vários brasileiros, mas os resultados ainda não foram além de duas Copas da Uefa (equivalentes à Liga Europa), com CSKA (2005) e Zenit (2007). Na capital, Moscou, a maior rivalidade opõe o CSKA ao Spartak. Em Rostov do Don, cidade onde a Seleção Brasileira estreará no Mundial, reina o Rostov, campeão da Copa da Rússia em 2014.

MEMÓRIA

A condição peculiar dos soviéticos, ao representarem a face comunista do mundo, rendeu viagens internacionais de sua Seleção. Algumas foram ao Brasil, incluindo duas passagens por Belo Horizonte. Em 1966, num torneio no Mineirão, do qual participou também o Flamengo, golearam o Atlético por 6 a 1 e ganharam a final do Cruzeiro por 1 a 0. De novo no Gigante da Pampulha, em 1969, a URSS perderia a revanche para o Atlético por 2 a 1, com gols de Dario. Na foto, o lateral-esquerdo atleticano Cincunegui disputa bola com jogador soviético na partida vencida pelo Galo.

Revista O Cruzeiro-Acervo Estado de Minas/05/06/1969


Lev Yashin, uma lenda no gol soviético

Se a extinta União Soviética e a Rússia estão longe de representar algo emblemático na história do futebol, foi nos gramados de Moscou que nasceu uma das maiores lendas entre as quatro linhas: o goleiro Yashin (1929-1990). Ídolo do Dínamo e titular absoluto da Seleção da URSS a partir da metade dos anos 1950, o Aranha Negra, com 1m89, se transformou num ícone para além de seu país. A ponto de, em 2000, ter sido eleito o goleiro do século pela Fifa.

Trajando quase sempre uniforme preto, o que lhe rendeu o apelido, Yashin faturou cinco campeonatos soviéticos por sua equipe (1954, 55, 57, 59 e 1963) e três Copas da URSS (1953, 1967 e 1970). Pelo selecionado, foi campeão olímpico em Melbourne (1956) e da Eurocopa (1960). A condição de muralha lhe rendeu em 1963 a Bola de Ouro da revista France Football, único de sua posição a receber o prêmio.

Luiz Carlos Barreto/O Cruzeiro/EM %u2013 1957
Não foi, então, por acaso, que estampou o pôster oficial da Copa do Mundo da Rússia. O visual remete ao estilo artístico soviético das décadas de 1920 e 1930 e traz referências à exploração espacial, outro símbolo do país. A carreira do jogador foi iniciada aos 12 anos, na fábrica militar em que trabalhava no começo da Segunda Guerra Mundial. Ele chegou a atuar também pelo time de hóquei no gelo do Dínamo.

É apontado como um revolucionário na função, ao se transformar num verdadeiro xerife da área quando a maioria dos arqueiros cuidava prioritariamente de ficar sob as traves. Tinha elasticidade, agilidade e por vezes atuava quase como um líbero, se antecipando ao último homem de ataque do adversário. Os dois primeiros títulos da década de 1950 garantiriam também o feito de ter a defesa menos vazada e o passaporte para a Seleção.

Ele brilharia no surpreendente ouro da Olimpíada de Melbourne, levando apenas dois gols em cinco jogos. Na Copa de 1958, teve uma de suas atuações memoráveis, mesmo com a União Soviética batida pelo Brasil por 2 a 0, gols de Vavá, com Pelé e Garrincha em campo. Ele conquistaria a Eurocopa em 1960, vencendo a Iugoslávia por 2 a 1. E disputaria ainda as copas de 1962, no Chile, a de 1966, na Inglaterra, para se despedir em mundiais já como reserva, no México. Ainda assim, uma lenda.

Tags: rússia futebol copa