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POLÍTICA

Ruptura de um país que mudou o mundo

A miséria e a revolta de um povo levaram ao fim do poder absolutista e criaram um novo modelo político que acabaria dividindo o planeta

postado em 24/05/2018 17:09 / atualizado em 05/06/2018 21:30

AFP / VITALY ARMAND
Mais do que um dia que durou 74 anos, a Revolução Russa foi um corte histórico responsável por transformações para muito além do próprio território. Por décadas, se tornou uma espécie de rastilho de pólvora que mexeu com o mapa ideológico mundial. E virou também um tipo de laboratório para as primeiras experiências do socialismo, então um modelo em construção, mais tarde ‘exportadas’ para outras nações, sempre sob a perspectiva de ruptura.

O movimento nasceu num ambiente em que tudo era explosivo. A condição social da maioria dos russos era precária. O modelo agrário, base da economia, superado. De um lado, milhões de camponeses em situação de miséria. Do outro, a aristocracia fundiária amparada por um governo conservador e autocrático, com a dinastia czarista mantendo poder absoluto. Nem a industrialização tardia era capaz de alterar o cenário de ebulição.

Em 1905, quando o Império Russo entrou em guerra por territórios com o Japão e foi derrotado, os socialistas fizeram o que foi chamado de ‘ensaio’ para a revolução, com greves em Moscou, São Petersburgo e Kiev. Além disso, houve a rebelião de marinheiros do encouraçado Potemkin, baseado no Mar Negro, se recusando a lutar contra os japoneses. Os movimentos, embora sufocados, resultaram num princípio de organização de trabalhadores e de segmentos militares por meio dos sovietes (conselhos de operários, camponeses e soldados) e em gradual perda de controle governamental.

Esse quadro se agravaria com a entrada na Primeira Guerra Mundial. Internamente, a situação era de caos social, com escassez de alimentos, fome e revolta, levando à deposição do Czar Nicolau II em fevereiro de 1917. Um governo provisório resistiu até outubro, quando foi derrubado pelos bolcheviques, de inspiração marxista, liderados por figuras como Lenin. Na perspectiva dos revolucionários, todo poder deveria caber aos trabalhadores. E o estado assumiria os meios de produção.

O país então mergulhou numa guerra civil de 1918 a 1922 – a ação inclui o fuzilamento da família do czar – em que triunfaram os bolcheviques. Ali se formava a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), inicialmente unindo Rússia, Ucrânia e o Transcáucaso (posteriormente, dividido em Armênia, Azerbaijão e Geórgia). Assim, na Segunda Guerra Mundial, com anexação de países bálticos e da Moldávia, se chegaria ao total de 15 repúblicas: Rússia, Ucrânia, Armênia, Azerbaijão, Geórgia, Bielorrússia, Cazaquistão, Moldávia, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão, Lituânia, Letônia e Estônia.

A ferro e fogo, especialmente depois da morte de Lenin, em 1924, com Stalin ascendendo ao poder, a URSS se transformaria numa superpotência mundial, baseada numa economia com controle estatal. No fim dos anos 1930, já era a terceira nação mais industrializada, superada pelos Estados Unidos e Alemanha.

A disputa pelo protagonismo com as nações capitalistas, ao representar o bloco comunista (Polônia, Techoslováquia, Hungria, Romênia, Iugoslávia, Bulgária e Alemanha Oriental), serviu para impulsionar vários setores – o que incluía investimentos maciços de programas de infraestrutura à corrida espacial. Indústria pesada, bélica e petrolífera se expandiam.

Paralelamente, imperava controle rígido sobre as manifestações de pensamento, a imposição do partido único, o comunista, e o expurgo daqueles que eram considerados inimigos internos. O esgotamento tanto no plano político quanto no econômico (perda de competitividade e indústrias obsoletas) se dá a partir dos anos 1980 e se arrasta até a cisão no início da década de 1990. Com revoltas territoriais separatistas explodindo e parte das repúblicas se declarando independente, o regime cede à pressão externa e à de largos setores de sua população, enterrando definitivamente o sonho da Revolução de 1917.

Em 1991, o fim da URSS e do ideal socialista

A bandeira da União Soviética – um retângulo vermelho com uma foice e um martelo amarelos cruzados, representando os trabalhadores do campo e das indústrias – foi oficialmente adotada em 1923 e hasteada pela última vez no Kremlin em 8 de dezembro de 1991. Representava mais que um dos tantos atos simbólicos que sinalizavam o fim da URSS. Era o decreto que a dissolvia. O Acordo de Minsk teve adesão inicial de Rússia, Bielorrússia e Ucrânia e, duas semanas à frente, da Armênia, Azerbaijão, Cazaquistão, Moldávia, Quirquistão, Tadjiquistão, Uzbequistão e do Turcomenistão.

Esse realinhamento deu origem à Comunidade dos Estados Independentes (CEI), que em 1993 incluiria a Geórgia. Letônia, Estônia e Lituânia se mantiveram fora do bloco. Os sinais de fragmentação vinham de várias frentes. Da insatisfação popular com a escassez de alimentos e bens de consumo a partir da segunda metade dos anos 1980 aos movimentos por autoafirmação nacionalista. Em meio a essa ebulição social, em 1985 assume aquele que seria o último líde

Com uma série de reformas ele tentou reduzir o grau de descontentamento e a perda de poder, mas suas medidas não surtiram efeito. Os movimentos separatistas se iniciaram nas repúblicas bálticas (Lituânia, Estônia e Letônia) e desencadearam o esfacelamento do modelo implantado nos anos 1920. Nem mesmo a transição da economia estatal para a de mercado, num plano batizado de Perestroika, ou a abertura política, permitindo até a existência de outros partidos além do PC, chamada de Glasnost, foi suficiente.

A queda de regimes socialistas em outros países era um componente que só reforçava a pressão. Em meio a essas incertezas, a tentativa de deposição de Gorbachev por representantes da linha-dura do Partido Comunista, em setembro de 1991, apressou o desmantelamento de toda a estrutura de décadas. Recém-empossado presidente da Rússia, Boris Ieltsin ajudou a liderar a reação, reconduzindo Gorbachev ao posto. Era, de qualquer forma, o fim de uma era. E o próprio Gorbachev, que passaria a representar uma URSS implodida e desfigurada, renunciaria em 25 de dezembro de 1991.

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