Santa Cruz

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Amor de irmão mais velho: a história de Mathias Guimarães, torcedor que nasceu antes do Santa

Com 105 anos, seu Mathias tem a vida acompanhada pelo clube do coração, e vice-versa; tricolor nasceu um mês antes da fundação da Cobra Coral

postado em 18/10/2019 17:00 / atualizado em 18/10/2019 20:14

<i>(Foto: Tarciso Augusto/Esp.DP )</i>
A fala pausada reflete o peso de quem viveu muito. O suficiente para experimentar grandes histórias. Mas de todas as que Mathias Antunes Guimarães já protagonizou, uma, em especial, com orgulho, mostra-se indissociável aos seus 105 anos de vida: a do Santa Cruz, a quem chama, carinhosamente, de ‘irmão'. E por um motivo. O ex-servidor do Exército nasceu no dia três de janeiro de 1914, um mês anterior à fundação do clube do coração.

O que significa dizer que, antes mesmo daqueles 11 garotos que se reuniam para bater bola no pátio da Igreja de Santa Cruz, no bairro da Boa Vista, terem a ideia de fundar um novo clube no Estado, Seu Mathias Guimarães já estava lá. E cresceu tendo o futebol sempre próximo. Sobretudo pela influência dos vizinhos de rua e irmãos Paulo e Lauro Monteiro. Faltava escolher o clube do coração. Mas a história de seu Mathias e o Santa Cruz já estava traçada. Desde o berço. 

“O Santa Cruz nasceu …" 

Na década de 1920, foi o Santa Cruz que abriu os braços para que Seu Mathias Guimarães, negro, ainda aos sete anos de idade se sentisse reconhecido como a criança que era, sem filtros ou preconceitos. Representatividade esta que veio, somente, empunhando as cores preta, branca e vermelha no peito. Porque a imagem de inclusão refletida pelo Clube do Povo, designação dada ao Tricolor, também aceitava a sua. 

“Eu sou muito feliz na minha vida porque Deus me trouxe nessa cor. Sou contra o camarada sofrer coisas ruins por conta disso. O camarada é gente igual a mim, assim como outro qualquer. Agora, pode ter leitura a mais, pode ser doutor, pode ser coronel, mas todo mundo é igual”, afirmou.  

“O Náutico e o Sport não queriam morenos feito eu. E o Santa Cruz aceitava gente de todo jeito. Aí me apaixonei. Eu escolhi ser Santa Cruz por causa disso”, resumiu. 

No entanto, está enganado quem pensa que a ‘irmandade’ criada entre os centenários Mathias Guimarães e o Santa Cruz é tão somente devido à idade próxima entre os dois. 

“O Santa Cruz quando joga é uma alegria pra mim. E se apanhar também é uma alegria para mim. Ninguém nasceu só para ganhar não. Então, meu Santa Cruz por toda vida fui apaixonado. Um irmão nunca deixa você sozinho. Um irmão sempre é irmão. Se apanhar, é meu irmão mesmo assim. Eu não vou ficar triste nem zangado porque apanhou não”, explicou Mathias. 

Segundo filho de uma família com sete irmãos, Seu Mathias viveu uma vida de luxo quando era menor devido às posses do pai, um dos principais engenheiros mecânicos da empresa britânica de estradas de ferro Great Western, em Pernambuco.

Hoje, no entanto, o centenário torcedor coral tem uma realidade bem diferente daquela de décadas atrás. Mora em uma casa humilde no bairro de Pau Amarelo, em Paulista, Região Metropolitana do Recife, onde reside atualmente com a terceira esposa, de 69 anos, Nicélia Alves, há 30 anos. Ao todo teve 11 filhos, todos dos casamentos anteriores, dos quais sete estão vivos. Entre eles, o primogênito, de 89 anos. 
<i>(Foto: Tarciso Augusto/Esp.DP)</i>

“... E viverá eternamente”

Mesmo com a paixão enraizada pelo Santa Cruz, os caminhos traçados por eles foram diferentes. A maioria, na verdade, torce pelo rival Sport. Contudo, nada que diminua a relação. Nem dos mais próximos, nem dos demais familiares, que somam mais de 260 pessoas entre bisnetos, netos e tataranetos. 

“Tenho dois filhos que são tricolores. A maioria é Sport, mas também… fazer o quê? Eu não tenho problema com isso. Se for Sport e Santa Cruz jogando, eu quero que o Santa Cruz dê no Sport. Agora se o Sport jogar com qualquer outro time, quero que o Sport ganhe porque é time daqui do nosso terreno. Mas com o Santa Cruz tem que apanhar”, revelou, aos risos. 

Por causa da idade avançada, além da violência generalizada nos estádios, Seu Mathias Guimarães não vai mais aos jogos no Arruda, programação que era rotineira quando mais novo. Mas “sempre que tem jogo do meu Santa Cruz, eu paro tudo que estiver fazendo para assistir”, garante. 

Na última semana, inclusive, o tricolor realizou um sonho. Não reencontrou o José do Rego Maciel, mas esteve, pela primeira vez, no Centro de Treinamento Ninho das Cobras, acompanhando o jogo entre Santa Cruz e Ypiranga, pela Copa Pernambuco. Durante o trajeto para o CT, revelou ter tido um pensamento: “Você ainda vai ver muitas coisas que ainda não viu”. Com a sabedoria dos seus 105 anos, Seu Mathias estava certo.

“Você vê hoje, tem umas crianças pequenininhas apaixonadas pelo Santa Cruz. Sócia desde pequena. Aquilo ali é algo que cativa a humanidade. Quando eu cheguei depois de ver uma mata daquelas e vi aquele campo de futebol ali, foi um dos dias mais alegres da minha vida”, concluiu, emocionado, como quem tem a certeza de que o Santa Cruz, como disse Alexandre Carvalho, ‘nasceu e viverá eternamente’.