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'Dinheiro é algo que distancia o nosso sonho de virar realidade. É muito triste'

Sem apoio da CBDA, nadadoras pernambucanas buscaram alternativas para defender a seleção na Bolívia. Nem todas, contudo, conseguiram a verba

postado em 30/07/2017 16:00 / atualizado em 29/07/2017 21:48

Gabriel Melo / Esp. DP - SUPERESPORTES
A frase acima é de Luisa Sial, nadadora pernambucana de 15 anos. Foi um comentário sobre a situação da amiga Beatriz Fernandes, que não vai disputar a Copa Pacífico de natação, na Bolívia, em agosto, porque não tem condições financeiras de arcar com os gastos com a viagem e hospedagem, a cargo dos atletas convocados. Na semana que ficou marcada pela inédita medalha de ouro da também pernambucana Etiene Medeiros no Mundial de Esporte Aquáticos, em Budapeste, histórias como essa mostram como algumas atletas conseguiram viabilizar a ida, com a ajuda da família, de vaquinhas realizadas na internet e patrocínios de última hora. Mostram também a decepção e o silêncio de quem não conseguiu realizar o sonho de disputar a competição internacional.

“É triste, mas é o que acontece”

Companheiras fora e dentro das piscinas, Julia Góes, 13 anos, e Lisa Soares, 15, costumam compartilhar as alegrias da amizade e conquistas na natação. Uma delas foi a convocação para a seleção brasileira. Infelizmente, porém, não poderá ser vivenciada em conjunto. Apenas uma das  pernambucanas terá a sorte de representar o país na 37ª  edição da Copa Pacífico, que acontece entre 16 a 19 de agosto, em Sucre, na Bolívia. Por questões financeiras, Julia Góes abdicou do seu sonho em disputar o campeonato latino. 

Não é a primeira vez que Julia deixa de atender a uma convocação da seleção nacional. “Fiquei feliz com a minha convocação, mas não criei expectativa quanto a minha participação. Ano passado foi a primeira vez que tinha sido chamada para representar o Brasil, mas não pude ir por causa da falta de recursos financeiros. A CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) não dá nenhum suporte, mas eu entendo. Eles estão em crise. É triste, mas é o que acontece”, afirmou a atleta. “Ainda bem que a minha família me dá todo o apoio necessário. Não me sinto desestimulada. Agora é levantar a cabeça e continuar dando o meu melhor nos treinos”, acrescentou.

Julia e a sua família não desistiram de imediato. Tentaram viabilizar a viagem. Foram em busca de patrocinadores para bancar os custos do campeonato latino. O prazo curto jogou contra - a convocação foi feita no dia 4 de julho e o prazo de inscrição se encerrou neste domingo, 23 de julho. Vendo que não iriam conseguir, abriram mão do projeto para não comprometer o emocional da atleta. “A gente achava que ela iria ficar muito desmotivada, vendo os outros se organizando para viajar, mas a Julia conseguiu lidar com tudo isso. É uma convocação, enche a gente de orgulho, mas ao mesmo tempo, sentimos uma impotência em não dar esse presente”, lamentou o pai da atleta, Luiz Carlos Góes.

“Tudo isso faz com que eu tenha mais orgulho dela.  Sou suspeito para falar. Julia continua se dedicando fortemente em seus treinos. Chega mais cedo no clube, fica até mais tarde, sempre em busca do seu objetivo. Por isso, quando a gente conversa em casa, tento tranquilizá-la, dizendo que ainda têm muitas braçadas para serem dadas. Um dia a hora certa chega. É só não perder essa força interior de nunca desistir, e isso ela tem de sobra”,  sorriu.

Além da família, outra pessoa vem dando apoio a Julia para “passar por cima” da decepção de não servir à seleção brasileira: o seu treinador Sadler Sulzberger. “Sempre tenho reuniões com a nossa equipe. É sempre bom um aconselhamento, principalmente na situação de Julia, que não vai para a Copa Pacífico, não por sua culpa, mas porque  não tem apoio financeiro. Eu falei com ela e disse para focar nas próximas disputas. Disse que se ela está triste hoje, amanhã terá motivos para sorrir. É só não desmotivar", explicou.

“Quero subir ao pódio e dedicar o prêmio para ela”

Ausente da Copa Pacífico, Julia ficará na torcida pela amiga Lisa, que vai atender ao chamado da seleção. Uma emoção inédita para a nadadora, mas que precisou de uma “corrente” financeira para viabilizar a sua ida. Familiares se uniram para pagar as despesas da viagem. Além disso, ela teve que abdicar da sonhada festa de 15 anos para focar na Copa Pacífico.

“Eu queria uma festa grandiosa, mas meus pais conversaram comigo e disseram que eu tinha que escolher: uma comemoração inesquecível ou destinar todo o dinheiro para as competições. Preferi ir para a Bolívia. No fim das contas, até a minha família vai aproveitar esse presente. Vamos ter a chance de conhecer outro país”, declarou Lisa, que terá a companhia de seus pais e já está com as passagens compradas.

Antes da decisão da sua ida para a Bolívia, Lisa tinha esperança de ter ajuda da CBDA, algo que não aconteceu. “No momento em que fiquei sabendo dessa disputa, tive dúvidas da minha participação. Com eu e meus pais indo, ao todo, dá mais ou menos uns 13 mil reais. É muito dinheiro! A gente teve que pedir empréstimos. Nem as passagens eu consegui através da confederação. Muito triste isso”, destacou. “Imagina, minha melhor amiga (Julia) que não vai poder ir por não tem dinheiro suficiente. É um absurdo isso”, indignou-se.

Revoltada com a ausência da amiga da competição, Lisa responsabiliza a CBDA pela falta de apoio aos nadadores. “Ela treina todo o dia, vejo o quanto se dedica.  Infelizmente não vai puder desfrutar da Copa. Tudo isso tem um culpado: a CBDA. Eu não acredito que eles não possam ajudar nem nas passagens dela. Se tentassem se esforçar mais um pouquinho, acredito que seria possível levá-la também”, diz ela, juntando-se ao time dos motivadores de Julia. “Sempre que posso tento motivá-la, dizendo que terá novas chances, mas mesmo assim, fico desapontada com o que está acontecendo. Somos tão amigas, me inspiro nela também. Quando estiver lá, quero subir ao pódio e dedicar o prêmio para ela.”

“Não tinha ideia de que a vaquinha daria certo”

Assim como Julia e Lisa, a também pernambucana Luisa Sial, 14 anos, está na lista das convocadas para disputar a Copa Pacífico. Assim como elas, tinha a questão financeira como um obstáculo. Superado, assim como no caso de Lisa, por uma corrente que foi além do círculo familiar. Para viabilizar a ida à primeira a uma competição internacional, a atleta buscou as redes sociais e organizou até uma vaquinha virtual.

A estratégia teve êxito. “Não tinha ideia de que a vaquinha daria certo. De repente, a gente conseguiu o valor que precisava e agora estou perto de realizar o meu sonho que é representar o meu país na natação pela primeira vez, afirmou Luisa, sentimento compartilhado por sua mãe. “A gente não tinha ideia que isso funcionaria. Chamou atenção das pessoas que contribuíram gentilmente. Por isso, quero agradecer de todo meu coração a quem apoiou através dos compartilhamentos, palavras de incentivo e contribuição financeira. Graças a Deus conseguimos chegar ao nosso objetivo e minha filha vai representar Pernambuco e o seu país em uma competição internacional”, agradeceu Marcela, mãe de Luisa.

A vaquinha virtual foi iniciada por Marcela no dia 5 de julho. Um dia após a publicação, divulgada nas redes sociais, conseguiu R$ 130,00. No dia 11, o valor passou para R$ 220,00. Três dias depois, a surpresa. O valor chegou a R$ 2.700,00, o que seria suficiente para custear as passagens. Faltava ainda R$ 1.300,00 para atingir a cota de R$ 4 mil previstos para a viagem. Faltava. Nesta semana, uma doação no valor exato completou o valor, garantindo a presença de Luisa na competição.

A surpresa não foi a única da nadadora em sua odisseia para viabilizar a sua ida para a Bolívia. Vendo a campanha realizada pela nadadora, um patrocinador resolveu apoiar a atleta. Como já havia conseguido o valor, a nadadora e a família resolveram repassar o valor para o seu treinador, Gustavo Fortuna, que também fora convocado mas só tinha garantindo as passagens. O repasse teve o aval do patrocinador. “A primeira pessoa que pensei foi em Gustavo. Como consegui o apoio financeiro, decidi reverter o patrocínio para as despesas de hospedagem, alimentação e transporte dele. A gente precisa ajudar sempre. E claro, ele era a primeira pessoa em mente”, declarou a mãe de Luisa.

AUSÊNCIA
O sucesso na campanha é um motivo de comemoração da atleta. Entretanto, ela não terá a presença da mãe nas arquibancadas, algo comum em sua carreira. “É uma pena não ter a minha mãe por perto desta vez. É um dos momentos mais importantes da minha vida, mas eu entendo a situação. Ainda bem que Guguinha (treinador) está indo comigo. Como é uma competição internacional, e não conheço muita gente, não teria tanta segurança se estivesse sozinha. É uma vantagem ter ele por perto”, declarou ela.

Luisa também lamentou a ausência da amiga Beatriz Fernandes na delegação. Também convocada, ela desistiu alegando não ter condições financeiras de viajar. “Queria tê-la ao meu lado, mas sei o que ela está passando. Dinheiro é algo que distancia o nosso sonho de virar realidade. É muito triste, mas torço pela Bia, e ela sabe disso”, completou. Beatriz foi procurada pelo Superesportes, mas preferiu não participar da reportagem.

“Não temos dinheiro suficiente”

A Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) foi procurada pelo Superesportes para esclarecer por que ela não arcou com as despesas dos atletas convocados para disputar a Copa Pacífico. De acordo com Renato Cordani, diretor de natação da confederação, a gestão anterior ainda não prestou contas e por isso a verba do Ministério dos Esportes e Comitê Olímpico Brasileiro não chegou aos cofres da instituição.

“Não temos dinheiro suficiente. Assumimos no dia 12 de junho, e ainda não temos a situação financeira totalmente mapeada. Por isso, no momento, nesses primeiros 40 dias, estamos realizando o essencial.  Nós entendemos que a Copa Pacífico é muito importante para o Norte-Nordeste, por isso nós conseguimos montar uma seleção e viabilizar a participação institucional da  CBDA, mas não foi possível desta vez financiar  a competição como nós gostaríamos”, declarou o diretor de natação da CBDA.

Questionado sobre o risco de montar uma seleção brasileira sem apoio financeiro para uma competição fora do país, Cordani enfatizou que a decisão de não ir poderia ser justificável, mas que a opção foi de não fugir da responsabilidade. “É um risco que preferimos correr. Entendemos que é melhor fazermos uma seleção da forma possível, embora não ideal, do que fugir do compromisso. Infelizmente o pouco tempo de gestão e as contas bloqueadas nos trazem a essa situação. Situação que não foi gerada por nós, mas que estamos empenhados em resolver”, explicou.