Copa do Mundo

COPA DO MUNDO

Os torcedores latinos tomaram conta das ruas de Moscou

Fãs sul-americanos ocupam tradicional endereço da capital russa para festas durante o Mundial. População local, no entanto, tem evitado passeios pela região

postado em 19/06/2018 07:00

Felipe Seffrin/Esp.CB/D.A Press.
Moscou — A Copa do Mundo transformou um dos endereços mais tradicionais de Moscou em reduto de latinos em festa, para o desespero da tradicional família russa. Localizada a poucos metros da Praça Vermelha e da sede da antiga KGB, a Rua Nikolskaya virou o principal foco de concentração de torcedores brasileiros, argentinos, peruanos e colombianos. Eufóricos com o Mundial e ávidos por interagir com outras pessoas, comportamento definitivamente não compartilhado pelos russos, os sul-americanos conquistaram um pedaço da cidade. Entre os moscovitas, há até quem evite voltar tão cedo ao local.

Conhecida por ser uma rua de pedestres com edifícios do século 19 em estilo neorrusso e lojas de grife, a Nikolskaya ganhou uma cara bem diferente com a chegada da Copa. Antes, o endereço era um dos preferidos de moradores locais para passeios em família, além de visitas aos bares e restaurantes da região. A rua foi toda decorada com luzes de led no final de 2017, proporcionando uma atmosfera romântica, especialmente à noite. Todo esse clima de tranquilidade, porém, ficou para trás com a invasão latina. Agora é até difícil andar pela região.

Os torcedores tomaram a Nikolskaya às centenas, com bandeiras dos respectivos países e faixas em apoio às seleções. Em um dia normal, seria proibido beber no local — a multa para quem é flagrado consumindo bebidas alcoólicas na rua em Moscou começa em R$ 60. A lei continua valendo durante a Copa, mas a polícia parece orientada a não interferir na algazarra dos turistas estrangeiros. Ignorando qualquer ameaça, os latinos ostentam garrafas de cerveja e de vodka desde cedo, sobem em prédios históricos e entoam cânticos comuns em estádios sul-americanos.

Russos que passam pelo local se dividem entre surpresos e horrorizados. “Para mim é muito estranho ver tanta gente festejando aqui. É algo que eu só tinha visto na televisão. Ainda bem que será só por um mês”, diz o educador Serguei Glazunov, 26. É comum se deparar com argentinos dançando sem qualquer pudor ou brasileiros tentando flertar com as belas e recatadas moscovitas. Nada anormal em tempos de Copa do Mundo. Mas, na cultura russa, desconhecidos jamais se cumprimentam com beijos no rosto e nem permitem muita intimidade.  Festejar também não é o forte deles. Não é à toa que os russos são famosos pela frieza.

Felipe Seffrin/Esp.CB/D.A Press.

Outros moscovitas se divertem com a euforia latina. O aposentado Andrei Bobik entende que os torcedores vieram justamente para festejar. “Não vejo nenhum problema. Como eles poderiam fazer festa sem fazer barulho?”, questiona. Já Inna Perepechina, gerente de uma agência de publicidade, só espera que nenhuma confusão aconteça. “Os argentinos são os mais barulhentos”, reclama.

Preconceito

A invasão dos turistas provocou uma reação polêmica de uma congressista local. Tamara Pletneva, 70 anos, líder de uma comissão para assuntos da família pelo Partido Comunista, alertou as russas para o perigo de relacionamentos com estrangeiros. Em entrevista à rádio Govorit Moskva, ela declarou que “mulheres russas devem evitar dormir com turistas na Copa do Mundo, para não se tornarem mães solteiras de filhos mestiços”.

Ela citou as Olimpíadas de Moscou em 1980, dizendo que muitas russas engravidaram de estrangeiros — época em que métodos contraceptivos eram um tabu na sociedade soviética. As declarações nacionalistas e extremamente conservadoras de Pletneva, no entanto, receberam uma resposta imediata do Kremilin. “No que diz respeito às mulheres russas, elas decidirão por si mesmas como comportar-se com os torcedores que estão no país”, declarou Dmitri Peskov, porta-voz de Vladimir Putin.

R$ 60

Valor inicial das multas por consumo de bebidas alcoólicas em Moscou. Turistas parecem isentos da fiscalização

“Para mim é muito estranho ver tanta gente festejando aqui. É algo que eu só tinha visto na televisão. Ainda bem que será só por um mês”

Serguei Glazunov, educador russo