Futebol Nacional

CONSCIÊNCIA NEGRA

Séries A e B do Brasileirão não têm treinadores negros

Filho de Jairzinho, Jair Ventura preferiu não comentar sobre o assunto; Andrade é o único campeão brasileiro até hoje

postado em 20/11/2018 11:58 / atualizado em 20/11/2018 18:30

Wander Roberto/Vipcomm
Segundo dados de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 54% da população brasileira se autodeclara preta ou parda. O número equivale a cerca de 113 milhões de cidadãos. No país do futebol, porém, os técnicos negros não têm vez. Eles não comandam nenhum time entre as séries A e B do Campeonato Brasileiro.

Para o sociólogo do esporte Luiz Otávio Teles Assumpção, o futebol ainda enxerga o indivíduo negro apenas como atleta. "Existem vários esportistas negros, principalmente no futebol. Quase não existem dirigentes negros, não se restringe apenas ao cargo de treinador. Falta representatividade em cargos de autoridade", comenta o professor da Universidade Católica de Brasília.

De acordo com Assumpção, os dados são preocupantes. "Devemos várias conquistas esportivas aos negros. É uma lacuna que seria interessante preencher. É uma etnia que não está no topo da hierarquia. Assim, teríamos um processo mais amplo e igualitário", explica.

No Distrito Federal, o técnico atual campeão candango é negro. Victor Santana comandou o Sobradinho na conquista da taça, façanha que o Leão da Serra não alcançava desde 1986. Para ele, ainda há preconceito no futebol. "É evidente que existe racismo. A falta de oportunidade é imensa. Onde está o Andrade? Cadê o Cristóvão Borges? Tem algo de errado nisso", diz o treinador, ainda não confirmado pelo Sobradinho para a próxima temporada, quando o clube também tem compromissos pela Série D, Copa do Brasil e Copa Verde. 

A reportagem do Correio entrou em contato com Andrade, único técnico negro campeão brasileiro da primeira divisão até hoje. Porém, o ídolo rubro-negro estava em uma consulta médica e não pode responder aos questionamentos. Vale frisar que, mesmo após a conquista com o Flamengo, em 2009, ele jamais voltou a treinar um clube considerado grande. Em 2010, teve breve passagem pelo Brasiliense. Andrade anunciou o fim da carreira em 2017.

Filho de Jairzinho, ex-atacante da Seleção Brasileira, Jair Ventura comanda o Corinthians na Série A. Procurado pela reportagem, o comandante do Timão preferiu não se posicionar sobre o assunto. Givanildo Oliveira, do América-MG, não se autodeclara negro. "Aqui no Brasil, sou moreno, né?", questiona.

Para o começo de 2018, o Gama também escolheu um técnico negro para começar a temporada. Porém, após a derrota para o Bolamense, na estreia do torneio, Carlos Alberto Dias foi mandado embora pela diretoria alviverde. Apesar da escassez de profissionais negros no cenário principal do futebol nacional, o técnico não acredita que haja preconceito racial. "Acho que a cor da pele não altera em nada. Às vezes, muitos ex-atletas pensam que só por terem jogado em grandes times, podem se tornar treinadores. Não é assim. Sinceramente, é um assunto complicado, mas para mim não existe isso no futebol", analisa. Atualmente, Carlos Alberto Dias está sem clube e sem trabalhar desde que deixou a cidade, mas fez cursos na Europa e no Japão para tentar se reinserir no mercado.

A ausência de pessoas negras no mercado de trabalho não é uma exclusivida do futebol. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), no terceiro trimestre de 2017, dos 13 milhões de brasileiros desocupados, 8,3 milhões eram pretos ou pardos (63,7%). Com isso, a taxa de desocupação dessa parcela da população ficou em 14,6%, valor superior à apresentada entre os trabalhadores brancos (9,9%). Ainda é válido salientar que 66% dos trabalhadores domésticos no país são pretos ou pardos, e que o rendimento dos trabalhadores pretos e pardos é de R$1.531, enquanto o dos brancos soma R$2.757.