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De campeão estadual à várzea: Torre abriga boa parte da história do futebol pernambucano

Superesportes mergulha na linha do tempo de um dos bairros recifenses mais importantes para o surgimento do futebol profissional e amador no estado

postado em 05/06/2018 10:22 / atualizado em 05/06/2018 10:23

Toda história precisa de um começo. Pois bem, é impossível conhecer a fundo o futebol pernambucano sem entender sobre as suas raízes, profundamente envolvidas com o desenvolvimento urbano da cidade do Recife, e todo o seu contexto de transformação social, cultural e econômica. E desse processo, o bairro da Torre tem atuação fundamental, muitas vezes como protagonista. Seja como um dos maiores berços do que hoje se define ser o futebol profissional no estado, seja como o maior símbolo de resistência do futebol de várzea - em sua mais pura essência - em Pernambuco.

O bairro da Torre, surgido a partir de um engenho instalado às margens férteis do Rio Capibaribe, desenvolveu-se junto à fundação da Companhia Fiação e Tecidos de Pernambuco em 1874, a primeira fábrica de cotonifício (manufatura de tecidos de algodão) do Recife, acompanhando o começo do processo de industrialização do país. Além de oferecer emprego, a indústria construiu ainda casas para os seus funcionários (prática comum à época). O crescimento demográfico fortaleceu o comércio, pequenos serviços e, claro, áreas de lazer. Entre estas, os inúmeros descampados, ideais para a prática de um esporte que na mesma época atravessou o Atlântico e encontrou no Brasil a sua versão mais astuciosa, maliciosa, e vencedora.
Peu Ricardo/DP

O futebol logo despontou no Recife e o bairro emprestou seu nome a um dos seis primeiros times a jogar o primeiro Campeonato Pernambucano de Futebol da história, disputado em 1915. Além do Torre Sport Clube - conhecido como Madeira Rubra por conta do seu uniforme vermelho de cor viva - também participaram Santa Cruz, Colligação Recifense, Centro Sportivo do Peres, João de Barros (que se tornou América durante a competição) e Flamengo, campeão invicto do certame.

O Torre viveu seu auge na década de 1920, se tornaria campeão estadual três vezes em 1926, 1929 e 1930, e vice em outras quatro temporadas: 1924, 1925, 1927 e 1928. O ano de 1929, além de marcar o único título invicto do clube, também deu ao Madeira Rubra as taças do Torneio Início e Copa Torre.

A Copa Torre representa um capítulo à parte no futebol do estado. Naquele tempo, as divergências entre clubes e a Federação eram corriqueiras e vez ou outra uma das agremiações optava por abrir mão do Estadual. Organizada por comerciantes do bairro, a Copa foi realizada entre 1921 e 1942, tendo o próprio Torre como maior vencedor (oito títulos) seguido por Tramways, (seis) e Íris (três).

Íris, Israelita (fundado e restrito à colônia judaica) e Santa Maria também são outros times profissionais que hoje estão extintos, mas tiveram a Torre como sede, sendo o primeiro como o segundo maior clube do bairro, vice-campeão estadual em 1932. Com a alcunha de Azulino, o Íris foi fundado por funcionários da Fábrica de Cerâmica, a Olaria da Torre, teve vida curta entre o ano de 1920 e a década de 1950, quando se transferiu para o bairro de Santo Amaro.

A adoção do futebol como atividade profissional, em meados da década de 1930, foi um divisor de águas para o bairro. Aos poucos, os clubes perderam força e sustentabilidade econômica. No entanto, ao mesmo tempo em que as carteiras profissionais ganhavam tinta em forma de assinatura, os campinhos eram fortalecidos com os atletas que preferiam a várzea. Naquele momento, a Torre novamente se afirmava como local de resistência das raízes do futebol.

De volta às origens

A história seguiu. De um lado os clubes, embrenhando-se profissionalismo adentro, sendo o Tramways, clube da empresa de companhia elétrica britânica, o precursor desse movimento à época. Estádios foram construídos e as equipes contrataram cada vez mais atletas além das fronteiras do estado. Do outro a várzea, oferecendo o esporte em sua essência de atividade lúdica, como lazer antes de tudo, mas seguindo o processo de manufatura de jogadores com talento inigualável àquela época.

Assim como no futebol, a sociedade mudou e a economia também. A indústria têxtil perdeu força no país. Aos poucos, o rodopio das bobinas, o entrecruzado dos fios e o martelar incessante dos carretéis nos salões das fábricas cessaram. Em contrapartida, o rodopio das bolas, o entrecruzado dos dribles e o martelar incessante dos chutes nos campos de terra batida ecoaram.

Na Torre, a proliferação de equipes seguia, agora no âmbito amador. Não muito diferente de antes. “Posso dizer que fui criado em casa, na escola e no campo de pelada. Bastava arrumar duas pedras e formar uma barrinha”, recorda o ex-prefeito do Recife e ex-governador de Pernambuco, Gustavo Krause, 72 anos e morador do bairro desde os onze.

Segundo Gustavo, as dificuldades de jogar naquele ambiente funcionavam como um fator específico para moldar craques. “Era o que chamamos de formação silvestre do jogador. A gente aprendia a cabecear de olho aberto. Sabia onde colocar a bola. Inventávamos desafios de chutar de barra a barra, para fortalecer domínio de bola. Em algumas das regras, canhoto só chutava com a perna direita e o destro, com a esquerda. Isso fazia com que a gente aprendesse os fundamentos e chegávamos no profissional afiados”, afirma.
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Esses atributos levaram muitos jogadores migrar dos terrões aos clubes. Peladeiros do bairro da Torre como Gilson Pé-de-Bombo, Adilson, e outros tantos, entre eles Gustavo Krause, também marcaram época no futebol profissional. “Eu fui jogar no Sport em 1963. Levado pelo professor de Educação Física Alexandre Borges, que considero como maior formador de atleta que vi na vida. Era discípulo de Umberto Cabelli, que também revolucionou o trabalho físico em Pernambuco”, conta.

Entre os principais clubes fornecedores de atletas da Torre, destacavam-se o Mecânica, que jogava em um campo onde hoje se encontra uma unidade da rede de supermercados Carrefour; o Cacique, da comunidade do Zumbi; e o Arte, onde hoje ainda resiste o campo do Bueirão.

Onde nascem os sonhos

Quem desce a ladeira da Rua Zilda S. de Santana, logo alcança os portões convidativos do Campo do Bueirão. Ali, quem chega para jogar, seja descalço ou com o último lançamento de modelo de chuteira, não precisa desembolsar um valor para se divertir. Em contrapartida, é cobrado respeito aos horários determinados além do zelo pelo espaço compartilhado por moradores de todos os lugares da Região Metropolitana. Era assim no fim da década de 1950, quando foi fundado pelos funcionários da olaria e dissidentes do Íris, que trocou a Torre por Santo Amaro.
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O Bueirão funciona como um símbolo fiel de uma das principais características que acompanham o bairro da Torre desde a sua fundação: a mistura de diversas classes sociais. Antigamente, unindo famílias de classe média, operários e comerciantes que compartilhavam uniformes. Hoje, juntando moradores dos imponentes prédios de fachadas reluzentes aos residentes do modesto Conjunto Habitacional da Torre pintado à mão, mais conhecido como ‘Carandiru’, em referência ao complexo prisional de São Paulo, famoso após o massacre de 111 detentos, em 1992. A pecha pejorativa foi, inclusive, transformada em um motivo de orgulho, nomeando o time fundado pelos moradores do conjunto, como maneira de afirmação de uma identidade coletiva na luta social.

“A gente procura preservar porque isso é nosso, é dos nossos filhos, é dos nossos netos. E a gente bate de frente para ninguém depredar ou pichar. Infelizmente vêm alguns que às vezes contradizem isso, mas a gente faz tudo pra manter esse aspecto”, afirma Maurício Antônio, 52 anos, morador do bairro e administrador do Pelotas Futebol Clube, time atual vice-campeão do campeonato de bairros Recife Bom de Bola, cuja final foi disputada na Arena de Pernambuco e vencida pelo Resenha do Totó, na decisão por pênaltis.

Bem conservado, se comparado aos demais espaços públicos de lazer da Região Metropolitana, o Bueirão resiste ao tempo e às investidas da especulação imobiliária. Máquinas, e bate-estacas, betoneiras e gruas de empreiteiras transformam a paisagem da cidade de forma desenfreada ao longo dos anos, dizimando campos verdes de pelada, onde craques desfilavam jogadas, e parindo colunas cinzentas, onde funcionários preparam massa e soldam ferragens.
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“Naquele tempo, havia muitos terrenos inabitados. A densidade demográfica urbana era muito baixa, e nós morávamos em casas com grandes quintais e muitas árvores. Pessoas de diversas classes sociais moravam ali. Era um bairro operário, em geral de classe média”, remonta Gustavo Krause.

Casos como o do Bueirão são raros. Inúmeros campos de várzea desapareceram do mapa. Os ‘órfãos’ dessa transformação encontram no bairro da Torre um refúgio onde são acolhidos de braços abertos. “Nós recebemos gente de todas as comunidades para jogar aqui. Vem gente de Dois Unidos, do Janga, do Engenho Maranguape, de todas as redondezas”, aponta o administrador do campo, Edson Felipe, de 52 anos, eleito para o cargo por aclamação pelos demais moradores do bairro, que ressalta ainda os torneios realizados pelos próprios peladeiros.

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“São sempre muito bem falados e organizados. É por isso que o pessoal vem para cá. Temos 18 times inscritos no torneio aberto para todas as idades e dez times no ‘quarentão’, para quem tem acima dos 40 anos. O pessoal deixa de assistir novela e jogos da Série B e Série C para assistir aos jogos daqui”, conta.

Dentro do Bueirão, a areia serve como nivelador econômico, racial e classista. No futebol de várzea, dribles, jogadas e gols superam com facilidade o poder aquisitivo. É o que afirma com orgulho o estudante Marx Lima, de 29 anos, formado em Biologia e aluno de doutorado na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, nascido e criado na Torre.

“O campo tem uma importância gigantesca para o bairro. Aqui dentro (do Bueirão) não tem rico ou pobre, preto ou branco. Nada. A gente vem para jogar bola e brincar. O campo tem essa função social de unir a comunidade e formar caráter, porque você aprende a interagir com pessoas de diversas realidades e de diversos lugares que vêm jogar aqui”, garante Marx, ex-aluno de um dos principais projetos sociais desenvolvidos no campo do Bueirão, ministrado pelo professor Arnaldo.

O garimpeiro de craques

O que acontece no presente, um dia vai virar história. E muitas vezes a caminhada começa a partir de uma oportunidade. Hoje, o principal guia de meninos e meninas não apenas do bairro da Torre como de toda a Região Metropolitana, se chama Arnaldo Gomes, 49 anos. Respeitado por toda a comunidade e elogiado por quem frequenta o campo, é reconhecido como o principal garimpeiro de joias em pleno campo de terra do Bueirão. “Os craques vêm, da várzea, do poeirão, e quase não tem mais na cidade”, aponta.
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“Aqui não se cobra nada, só a boa vontade de estudar, respeitar o professor e ter lealdade aos companheiros do projeto. O importante é formar o cidadão, preparar para o mundo. Se três ou quatro conseguirem chegar a ser profissional, é uma gratificação muito grande”, destaca o Professor Arnaldo, como é carinhosamente chamado. “Que beleza, Vitor!”, faz uma pausa para elogiar um aluno que marca um gol.

Apesar de agir como uma ponte entre a várzea e o profissionalismo, Arnaldo recusa qualquer vaidade ou propriedade sobre a carreira dos jovens. “Tem muita gente que briga e diz ‘esse menino é meu’, mas aqui eu digo ‘vá se divertir, vá ser feliz!’ Se, no futuro, o atleta reconhecer e decidir ajudar o projeto, ótimo. Mas torço para que todos eles tenham muito sucesso. É do coração de cada um.”

E o sucesso da Escolinha da Torre faz com que jovens de diversas localidades procurem apoio com o professor. “Como a gente tem resultados, consegue colocar sempre um ou outro menino em algum clube, eu recebo alunos que vêm de diversos lugares. Tem gente de Itapissuma, Cabo, Camaragibe, Dois Unidos, Olinda… são criança que acreditam no projeto e vêm pra cá pensando em conseguir crescer na vida.”

No entanto, nem todos os alunos conseguem se adequar ao trabalho. Alguns, enveredam pelo jogo do tráfico. “Já perdi alguns por questões de droga, mas é questão da falta de tempo. Você não consegue, no meio de 100 ou 200 alunos, fazer com que todos venham participar e continuar no projeto. Sempre vai haver algum desvio”, lamenta Arnaldo. “Foi na bola. Teve maldade não”, estimula outro aluno, que sofreu uma pancada comum ao contato no futebol.
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Segundo estima o próprio professor Arnaldo, cerca de dez mil alunos já participaram de seu projeto social, durante os quase 30 anos em que oferece além de aulas de futebol mas, principalmente, formação de cidadania. O professor acredita ainda ter revelado por volta de 100 atletas profissionais, entre eles o atacante Walter, ex-Porto/POR, hoje jogador do CSA.

O aluno pródigo

Entre tantos alunos e alunas do professor Arnaldo, o atacante Walter é o que foi mais longe em termos de carreira no futebol. Bastou uma chance na Escolinha da Torre, em um único dia de treino no Bueirão, em 2004, para o jovem criado no bairro do Coque, então com 14 anos, alcançasse a oportunidade desejada, após ser dispensado do Santa Cruz.

“Eu jogava no infantil do Santa Cruz, quando fui expulso em um jogo, na fase final de um campeonato de base. Estava sem jogar. Foi quando ele (Arnaldo) me falou que tinha uns empresários lá na Torre para assistir aos treinos e me chamou para jogar. Eu gosto muito de bola, mas não sabia que tinha isso. Treinei uma vez e, para a minha sorte, o empresário gostou e me levou para o Vitória-BA”, relembra Walter.

O papel do professor foi ainda fundamental para o que pode ser apontada como a principal decisão da carreira de Walter: escolher o Porto-POR como destino. “Ele tinha proposta para jogar na Ucrânia e em Portugal. A gente conversou muito para que ele escolhesse o Porto, porque lá tinham outros brasileiros, além de evitar o inverno forte ucraniano”, relembra Arnaldo.

Miguel Riopa/AFP Photo


“Foi um momento difícil para mim. Ele me aconselhou muito e minha mãe também. No meu primeiro ano eu ganhei muitas coisas e foi um tempo muito feliz de profissional onde realizei um dos meus sonhos, que era jogar na Europa. Pouca gente acreditava que eu sairia do Coque, e o Arnaldo era um deles. Esteve comigo na hora certa”, reforça o atacante.

Walter espera, no futuro, repetir o gesto que lhe foi crucial na carreira, abrindo espaço para que outras crianças em situação de risco possam dedicar-se ao futebol. “Os melhores jogadores saem das comunidades, desses bairros como o da Torre, do Coque, dos Coelhos… Eu penso um dia fazer uma escolinha, começando dos 7 ou 8 anos, mas é muito difícil você fazer uma coisa sozinho. É muito complicado. Tenho alguns contatos nos clubes, mas eu penso mesmo é em ajudar a tirar esses moleques da vida errada. Ainda não chegou esse momento, mas eu penso em planejar para tocar esse projeto lá no Coque, onde eu comecei.”

E a inspiração para o projeto futuro, vem exatamente de quem lhe estendeu a mão. “Vai ser um exemplo. Arnaldo é uma grande pessoa. Conhece muito sobre futebol e ajudou também muitos meninos da Torre a sair da vida errada. O trabalho que ele faz é uma coisa absurda, e faz tudo praticamente sem a ajuda de ninguém”, aponta.

A joia da Torre

Toda história deixa margem para se construir o futuro. Uma maneira de ter acesso ao que se espera viver é através dos sonhos. E sonhar não é problema para Marlon Ian, de 12 anos, que responde sem pestanejar quando é perguntado sobre onde deseja jogar na próxima década: “Barcelona”, diz com postura reta, mãos descansando na cintura e olhar atento a cada movimento da bola, enquanto concede entrevista. É como se respondesse à mesma pergunta todos os dias. Em quem se espelha? "Neymar", fala sem pestanejar.
Peu Ricardo/DP

“Marlon, vai ali na bola!”, pede o professor. “Vê ele batendo na bola. Olha só!”, avisa ao repórter. O garoto, nascido e criado no bairro da Torre, ajeita a bola, toma distância e observa atento à barra, aguardando a autorização da cobrança. Soa o apito. O menino ainda franzino e bronzeado pelo sol das 15h, então corre, cobra com força, mas a bola balança a rede por fora. “Na próxima entra”, encoraja o professor.

Marlinho, como prefere ser chamado, não desanima e, na jogada seguinte, recebe um passe no meio de campo, prende a bola próxima ao pé esquerdo, dribla dois marcadores com facilidade, entra na área e cruza por cima do goleiro, para o companheiro só completar o gol feito. “Boa, Marlon”, diz Arnaldo, sem esconder o orgulho pelo aluno. “Eu não falei que ele tem qualidade?”, cutuca o repórter, admirado pela cena presenciada.

Arnaldo e sua experiência de quase três décadas no ofício têm razão. Não é à toa que Marlinho foi aprovado em testes no Santos, no São Paulo e no Atlético-MG - três dos principais clubes reveladores de atletas do país. Só não ficou nas equipes por não atingir ainda os 14 anos, idade mínima permitida pela lei para que crianças fiquem em regime de internato no futebol, com autorização dos pais. “Mas o Santos já ligou para saber se ele vai voltar lá e estamos resolvendo isso”, ressaltou o professor, companheiro de viagem e orientador do garoto.

Ao mesmo tempo em que sonha com o futuro, o garoto não esquece do objetivo além do futebol. “Ajudar minha família, Arnaldo e a quem precisa.” E valoriza o treinador. “É um batalhador que sempre está com a gente, representando a Escolinha da Torre. Todo mundo gosta muito dele. É uma pessoa sincera e que ajuda muita gente, como fez com outros jogadores. Peço a Deus para dar saúde a ele e que eu seja um jogador profissional.”
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Marlinho ainda representa uma esperança para o bairro da Torre, mas já começa a dar resultados. “Ele me conseguiu coletes e bolas para a Escolinha, e me fez também conhecer a Cidade do Galo, o Santos, o CT do São Paulo. Tem até proposta para jogar em Portugal e na Espanha. É uma pérola que temos aqui. Nasceu aqui. É um menino maravilhoso”, valoriza o treinador, que também aconselha.

“O lado do futebol é passageiro. Hoje, enquanto é difícil, muitas pessoas não chegam nem perto. Mas na hora que vier a fama, vão aparecer muitos para usufruir. Eu procuro instruir que eles sejam atletas, que cuidem do corpo, com hora de dormir na hora certa, alimentação na hora certa, e estar com a família, que é o principal”, diz Arnaldo.

O que a história ensina?

Analisando qualquer história com atenção, é sempre possível tirar ao menos uma lição. Nessa viagem pelas ruas, praças, fábricas, prédios e campos do Bairro da Torre, desde o tempo que já passou até o que ainda virá, não se pode negar a importância do futebol como um fator preponderante para explicar como o principal esporte praticado no Brasil e, consequentemente, em Pernambuco, serve como ferramenta nas transformações sociais, culturais e econômicas da sociedade brasileira.

“O campo de futebol me educou muito. Aprendi a respeitar o próximo e ser solidário. É uma escola de vida, que me deu muita coisa. Sou muito grato à prática do esporte coletivo, sobretudo porque no bairro que morei, meu pai era dentista, mas eu me misturei com os mais pobres. Só havia onze camisas e você tinha que vestir a do outro com suvaqueira e tudo quando ele era substituído e a gente não tinha o menor problema com isso”, considera Gustavo Krause.

“Passou da linha do vestiário, qualquer diferença some. Tenho amigos que vinham para cá e tinham um poder aquisitivo muito maior que o dos outros, e a gente interagia da mesma forma. Jogávamos pelada valendo refrigerante e todo mundo brincava do mesmo jeito. Aqui era todo mundo igual e sem frescura. E, particularmente, foi uma coisa que me formou em participar de diversas classes, de diversas realidades”, destaca Marx Lima.

Também ex-aluna da Escolinha do professor Arnaldo, Déborah Gabrielle atingiu o futebol profissional a partir do Bueirão e do projeto do professor Arnaldo. Após rodar por Náutico, Santa Cruz, Sport e Vitória de Santo Antão, além de outros clubes do cenário nacional, a jogadora escolheu dar uma pausa na carreira, aos 28 anos, para dedicar-se às filhas gêmeas recém-nascidas, e deseja que elas siga os seus passos.

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“A tendência é continuar esse legado que foi deixado. No momento, as gêmeas têm um ano e dois meses apenas, e estão iniciando o ciclo da vida. Mas a intenção é colocar elas no esporte. Daí, elas vão escolher o esporte que quiserem executar e treinar”, projeta.

Para Gabi, apelido que carregou do Bueirão para o futebol, os trabalho aproximar as comunidades do esporte é um caminho que pode solucionar os problemas com o tráfico e a violência. “É uma forma de manter os meninos ocupados. O esporte é muito importante na vida da criança e do adolescente”, e afirma. “Se metade dos projetos sociais tivesse um apoio legal, a gente não estaria com o mundo do jeito que vivemos hoje porque não é mais de adolescente que entra no mundo das drogas. E sim crianças, com 10, 12 anos de idade.”

A jogadora acredita ainda que os ensinamentos da várzea vão além da prática do futebol. “O esporte mudou a minha vida, a minha forma de ver o mundo, meu convívio com outras pessoas. O esporte ensina muitas coisas. A superar os limites, a ter respeito e desenvolver espírito de liderança. E isso nós podemos nós podemos levar para a vida profissional também.”