Futebol Nacional

OPINIÃO

Coluna de Fred Figueiroa: A vitória do contrassenso

Colunista do Diario de Pernambuco analisa o relaxamento das medidas de isolamento no país e suas consequências na volta do futebol

postado em 30/05/2020 09:30 / atualizado em 29/05/2020 19:50

(Foto: Grêmio/Divulgação)
O Brasil será o único país do mundo a iniciar as medidas de relaxamento do isolamento social ainda com a curva ascendente de contaminação e mortes por Covid-19. E não apenas em estados onde o novo coronavírus teve uma disseminação mais controlada - como Paraná e Rio Grande do Sul (onde os números, apesar de baixos, também não estão em curva de queda). Epicentros da doença como Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e Pernambuco já discutem abertamente o plano de “retomada”. Um contrassenso que descortina questões como a pressão de setores econômicos, a falta de unidade política do país e - também - uma amarga aceitação de que as medidas de distanciamento chegaram no limite de alcance. Os estados não conseguem mais atingir as necessárias taxas de isolamento perto de 70% como aconteceu nos primeiros dias de março, mesmo com ações mais restritivas. E sinalizam que vão assumir o risco de perder o pouco controle que hoje existe da contaminação.

Falsa simetria

O momento que atravessamos em números: O Brasil no início de maio tinha 91.604 casos e 6.354 mortes causadas pela Covid-19. No dia 29, ultrapassou os 450 mil casos e se aproxima de 28 mil mortes - tendo registrado mais de 1.000 óbitos nos últimos quatro dias. É neste cenário que governadores e prefeitos pelo país estão cedendo às pressões e iniciando o relaxamento e - (in)diretamente - abrindo caminho para o retorno do futebol. Depois da Bundesliga, na Alemanha, as principais ligas da Europa (Inglaterra, Espanha e Itália) agendaram seu retorno para o próximo mês. No Brasil, uma “falsa simetria” pavimenta o caminho de retorno. Começou pela liberação dos treinos isolados no Rio Grande do Sul e ganhou corpo quando o Flamengo desrespeitou as medidas restritivas do Rio de Janeiro e impôs a retomada dos treinos mesmo sem autorização. Até por se tratar de um universo de competição - em que antecipar o treinamento pode significar uma vantagem considerável sobre os adversários - o efeito dominó seria inevitável.

Na contramão

No Nordeste, o primeiro sinal verde para o futebol veio justamente do estado que apresenta os piores números de disseminação e mortes. No mesmo dia em que o estado registrou 126 mortes por Covid-19 (se aproximando de 3.000 óbitos e ultrapassando 38 mil casos), o governador cearense Camilo Santana foi na contramão do mundo inteiro e autorizou que os clubes retornem aos treinamentos na próxima segunda-feira, mas o Ceará agiu rápido e, já na última sexta-feira, iniciou a testagem dos jogadores e funcionários - uma das obrigações estabelecidas no protocolo de retorno em todo o país. Além dos testes IGM (infecção) e IGG (anticorpos), o clube também aplicou vacinas de H1N1 - tudo isso em um sistema de drive-thru, em que ninguém precisou sair do carro. O atacante Leandro Carvalho, inclusive, testou positivo e entrou em regime de quarentena por 15 dias. Não há confirmação se foi o único. O clube, até o início da noite da última sexta, não havia disponibilizado o balanço dos resultados. O retorno dos treinos no Ceará injeta pressão nos estados do Nordeste e a tendência é que a próxima semana seja de liberações. No final das contas, o cronograma idealizado pelos clubes e federações vai se impor sobre a realidade - mesmo sem qualquer sinal sólido de redução da contaminação no país.

Cronograma limite

Quando os clubes começaram a se reunir com a CBF e as federações, foi estabelecido um “cronograma limite” para garantir a disputa de todas as competições do calendário. Este limite seria justamente retomar os treinos em junho e resolver as disputas estaduais e regionais (caso apenas do Nordeste) até o final de julho. Em agosto começaria o Brasileiro e seria retomada a Copa do Brasil - além das competições continentais. Agora, no extremo limite para sua aplicação, o cronograma começa a ser executado em sua parte mais delicada - mesmo em um estágio ainda crítico da disseminação do coronavírus no país. Se a volta aos treinos fosse adiada, a estrutura inteira cairia por terra e grande parte dos clubes entraria em um colapso financeiro sem volta. Novas imposições virão se necessário. Mesmo que 1.000 pessoas continuem morrendo todos os dias, o botão imaginário da “normalidade” já foi acionado e o futebol fez e fará uso dele intensamente a partir de agora. Ainda que, lá na frente, se depare com um erro histórico e irreparável.