Santa Cruz

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Violência em dia de festa: no Arruda, policial militar é acusado de agredir torcedoras

Tricolores enfrentaram filas enormes para entrar no estádio. Alguns conseguiram entrar apenas no segundo tempo da partida

postado em 20/08/2018 14:20 / atualizado em 20/08/2018 17:26

Nando Chiappetta/DP
A tarde do último domingo, no Arruda, poderia ter sido de festa para todos os torcedores. Mas, o que aconteceu fora do estádio, antes da entrada dos tricolores, acabou por tirar o brilho, para muitos, de uma partida que foi decisiva para o Santa Cruz. Apesar da diretoria ter feito campanha, chamando a torcida ao longo da semana, o que se viu foi o despreparo em receber o público que os dirigentes corais mesmo chamaram. Duas torcedoras relataram ter sofrido agressões de um policial.

O Arruda recebeu quase 50 mil pessoas, número que soou desproporcional para a quantidade de policiais e de catracas - que contém o acesso da torcida. Situação essa que gerou bastante tumulto, empurra-empurras. E, por fim, violência. Na entrada do portão 7, um policial não identificado agrediu fisicamente duas torcedoras do Santa, que tentavam socorrer uma outra amiga (as três do Movimento Coralinas) que passou mal por causa do spray de pimenta. Maiara Melo, de 26 anos, uma das principais vítimas, disse ter levado um tapa no rosto e ter sido chamada de “puta” por um policial. Além dela, outra garota também foi agredida, mas preferiu não se identificar. 

Em entrevista concedida ao Superesportes, elas relataram o clima de tensão gerado nos arredores do Arruda e destacaram o despreparo da polícia para lidar com os torcedores. Outros torcedores reclamaram que o número de catracas funcionando era incompatível com a expectativa de público. 

A entrada ao Portão 7

Nando Chiappetta/DP
“Quando a gente chegou ao Arruda, vimos que estava uma fila gigante no portão 7, o que dá entrada para o escudo. Como temos o movimento da gente de reunir mulheres, nos juntamos por questão de segurança. No meio da desorganização, teve muita confusão, a polícia fechou os portões e não deixava ninguém entrar.  A gente se preparou e fiquei na frente com outras meninas. Quando eu consegui passar da barreira da polícia, vi que Letícia (uma outra torcedora do grupo) estava encostada na barreira passando mal. Então, parei para ver o que estava acontecendo com ela e vi que ela estava passando mal porque ela é alérgica a spray de pimenta e tinham acabado de jogar lá." 

"Nessa hora veio um policial do choque, o que fica responsável pela entrada de instrumento e faixas de torcida dentro do estádio. O policial chegou de forma grosseira, dizendo pra gente sair dali porque estávamos tumultuando. No meio da confusão, Maiara falou: a gente não pode fazer isso agora porque minha amiga tá passando mal por causa do spray de pimenta que vocês jogaram. Aí ele perguntou: como é que é? E Maiara falou: a gente não pode sair agora, porque minha amiga está passando mal. Nisso, ele pegou o braço de Maiara, abriu o portão de contenção e disse: se você não vai entrar, você vai sair." 

"Mas ela negou, dizendo que ia ficar ali pra ajudar.  Ele pegou e deu um tapa na cara dela, empurrando ela para trás e gritando “você vai sair sim, sua puta”. Nessa hora, ela disse que ele não podia fazer isso, que não estava acima da lei.  Toda vez que ela falava isso, ele ia pra cima da gente querendo bater. Ele ficou chamando a gente de puta todo o tempo, e só não veio mais pra cima porque os outros policiais não deixaram.  Enquanto isso, ela  só falava isso: “você não está acima da lei”. Eu segurei ela. E, nesse tempo, ele deu outro tapa, mas pegou em mim, nos meus peitos." 

Despreparo 

"Depois disso tudo veio uma mulher e nós jurávamos que ela ia nos defender, mas não foi o que aconteceu. Ela também ficou gritando, dizendo que a gente estava tumultuando e que tínhamos ido pra cima dele. Foi aí que nós dissemos que quem foi pra cima foi ele e apanhamos sem fazer nada. Tinha muita gente filmando".

Nando Chiappetta/DP
"A gente tava com uma hora antes do jogo, já estávamos na fila há uma hora. Não tem como dizer assim 'Ah, viesse antes. Veio porque quis. Podia tá em casa'. Em algum momento eu senti o spray, e não conseguia respirar, e eu comecei a apertar o pessoal pra ver se eles me viam pra me ajudar, aí foi quando Maiara me viu. Eu só tenho flashes de memória. O pessoal só me viu vermelha, sem conseguir respirar. não conseguimos nem levantar a mão pra pedir socorro. Eu não conseguia ter calma, entrei em pânico".
 
"Quando ele puxou o braço de Maiara pela primeira vez e jogou ela pra fora, o pessoal disse: “Ó, ela só tá ajudando a menina. Ela não tá fazendo nada não”. E são pessoas que são pagas com nossos impostos para zelar, proteger e, nesse caso, facilitar um acesso ao estádio.  Eu não sei se o problema é do clube, mas independentemente, é sempre complicado lidar com a polícia. Eles não são despreparados, eles são preparados para agirem da forma incorreta”, concluiu Letícia Borges. de 29 anos. 

Depoimento de Maiara Melo 

"Na confusão, eu pedi pra que ela, que estava passando mal por causa do spray de pimenta, ficasse na minha frente, e disse: Letícia, vamos correr, se não a gente vai ser esmagadas aqui. O rosto dela tava muito vermelho, não estava conseguindo respirar. Nessa hora, a gente conseguiu entrar na barra de contenção onde o choque faz a revista.
 
Ele já chegou de maneira grosseira e eu só repetia dizendo que ele não estava acima da lei. Ele repetiu várias vezes pra mim: “ isso é pra aprender a você respeitar um homem, sua puta”. “Agora suba e suba calada”.  Depois daí, eu não conseguia ouvir nem falar mais nada porque estava em pânico, sem acreditar, me sentindo humilhada. Faço parte do Movimento Coralinas e nós vamos entrar em contato com a diretoria do Santa Cruz pra tornar isso oficial, e vou agora pra Corregedoria e no Ministério Público para tomar as devidas providências. Temos que proibir ele de entrar no Arruda, porque torcedor não pode ser tratado como bandido, ou qualquer outra coisa. Nós, mulheres, não podemos apanhar. Ninguém pode", clamou.

Através de nota oficial, o Santa Cruz admitiu problemas estruturais na partida. Confira abaixo:
    
O Santa Cruz vem a público pedir desculpas a sua imensa e apaixonada torcida pelos problemas operacionais enfrentados no acesso ao jogo desse domingo (19), contra o Operário/PR.

Após queda de energia, que aconteceu por volta das 15h30, tivemos vários equipamentos de controle danificados. Isso dificultou a operação normal das catracas.

Lamentamos profundamente o ocorrido. Agradecemos aos torcedores fiéis pela presença e por mais um espetáculo nas arquibancadas do Arruda, que ajudou diretamente na vitória. Assumimos o compromisso de continuar buscando, incansavelmente, corrigir as falhas e melhorar – com a ajuda da torcida -, a infraestrutura do clube e toda a operação de acesso ao estádio em curto prazo. 

Já a Polícia Militar de Pernambuco, acionada também pela reportagem, emitiu nota oficial que vai de encontro o relato das torcedoras. Confira abaixo: 
 
A Polícia Militar informa que o planejamento de segurança para o jogo de ontem, no Arruda, foi executado e assegurou, mesmo com o grande público, a normalidade e a tranquilidade dentro do estádio e seu entorno. Foram cerca de 400 homens empregados, todos treinados para proteger a população em situação de grandes eventos. Ontem, houve um atraso na abertura dos portões pelo clube mandante, e a PM teve dificuldades para ordenar o grande fluxo de torcedores, alguns empurrando e tentando entrar na frente de outros. Mas foi feito o uso da técnica e orientações dadas, contornando o problema. Se houve alguma queixa nessa atuação, o comando do BPchoque, a Ouvidoria da SDS e a Corregedoria da SDS estão à disposição para esclarecer os fatos.