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Herói de uma cidade e ídolo improvável: a história de superação de Camutanga no Náutico

Jogador que leva o nome da cidade natal deixou para trás as críticas e memes maldosos para se transformar em um dos principais nomes do acesso timbu

postado em 04/10/2019 07:00 / atualizado em 04/10/2019 07:59

<i>(Foto: Peu Ricardo/DP Foto )</i>
Localizada na Zona da Mata e com pouco mais de 8 mil habitantes, Camutanga deixou de ser apenas um município de Pernambuco para, há quase dois anos, ser também conhecido no meio do futebol, principalmente regional, e especialmente para os torcedores do Náutico - hoje, com muito carinho. Afinal, é assim que o zagueiro alvirrubro, Cleidson de Andrade Souza Silva, é chamado. E a denominação, ainda que imprevista, faz todo sentido: ambos são indissociáveis. O jogador é praticamente uma bandeira da cidade.

“Toda folga eu desço para a minha cidade. Minha esposa (Camilla) me cobra muito disso, que eu passo muito tempo longe e quando chego lá tenho que estar com todo mundo, conversando. Ela diz: ‘Vamos para a Praia’. Mas, não. Eu gosto de estar na minha cidade”, conta, sobre a relação que possui. “Muito boa pelas pessoas que convivo. Todo mundo se conhece. Gosto muito de estar lá por conta disso”. 
 
A relação de carinho é mútua. Virou tradição, por exemplo, a cidade saudar de forma expressiva as conquistas do zagueiro com carreatas - foi assim no título estadual de 2018 e no acesso à Série B em 2019, sendo pego de surpresa na primeira. “A do acesso eu não sabia, mas a do título sim, fizeram postagem e tudo que ia ter. Mas essa (última) foi em cima da hora”, conta. “Rapaz, vai dar gente em uma segunda-feira?”, pensou o jogador após superar o Paysandu. “Mas o pessoal foi, minha família, a gente tirou foto todo mundo junto lá”, falou, orgulhoso.

É preciso, aliás, apenas um sinal do jogador para a celebração. “Para mim todo todo mundo é família naquela cidade. Então são meus amigos, família que organizam. Quando entram em contato comigo eu digo que podem fazer. É bom comemorar”.

Tanto é que, na final entre Náutico e Central no ano passado, todos, sem exceção, uniram-se em torcida para o jogador - algo que, sugere, vai perdurar enquanto vestir vermelho e branco. “Sempre teve isso de rivalidade, mas lá não tem. É um negócio muito bom para mim”, diz. “A gente não é Sport e Santa. A gente agora é Camutanga”, explica como falam os moradores do município. 

“A cidade é Camutanga. Por causa de mim. Hoje a cidade é Náutico. Você vê pessoas que torciam para Santa e Sport vestindo a camisa do Náutico. E isso é gratificante. Só tenho a agradecer a população da minha cidade o carinho que eles têm por mim. É coisa que não tem explicação”. A moral do jogador é tamanha que até palestra tem dado. “Até ano passado os professores me convidaram para eu dar uma palestra na escola lá”, relembra.

O zagueiro considera que, mesmo tendo carregado consigo o nome da cidade já no seu primeiro clube profissional, o Auto Esporte-PB, tornou-se conhecido apenas no Náutico. E o caminho até lá, até Cleidson virar, efetivamente, Camutanga, foi difícil. De superação.

Formação sem categorias de base 

<i>(Foto: Léo Lemos/CNC)</i>

 

Cleidson foi rejeitado em várias testes no campo da cidade. “Eu fiz várias peneiras, vinham vários olheiros. Aí falavam: ‘A gente gostou dele, mas depois a gente liga’. E não ligavam”. Até ser selecionado para um campeonato no Paraná.  “Um cara foi fazer um peneirão lá e relacionou cinco jogadores da minha cidade, para uma viagem com um clube lá da Paraíba. Onde começou tudo”. 

Este tiro, no entanto, saiu pela culatra. A competição era sub-16 e o jogador tinha 17 anos. Cleidson, então, retornou à cidade. Por conta da idade avançada em relação aos outros quatro, conviveu com desconfianças. “O pessoal achava que eu não iria vingar pela minha idade”, relatou, e, assim, cresceu. “Eu comecei a me destacar porque todo mundo falava isso: ‘É o único que a gente achava que não vai vingar de ser jogador’”.

Cleidson, então, disputou jogos amadores nas redondezas, já na categoria adulta. Destacou-se e, aos 19 anos, foi indicado para a equipe principal do Auto Esporte-PB, onde, sem categorias de base, assinou contrato. “Denô (técnico do time) gostou de mim, mandou assinar um contrato não-profissional”. Foi aqui, aliás, que virou Camutanga. E de forma imprevista. 

“Surgiu porque o nome Cleidson é difícil, que não se vê muito no futebol. Então quando eu cheguei os meninos perguntavam muito”, relembra. “Eu dizia que meu nome era Cleidson, mas morava em Camutanga. Aí ficou”. No clube, Camutanga jogou apenas uma vez, mas suficiente para deixar boa impressão ao treinador, que o indicou para o sub-20 do Sport.

Nos juniores do Leão, teve o primeiro contato com uma equipe de base, mas precoce: o jogador sofreu a primeira de suas duas contusões graves.  “No Sport eu vinha numa sequência muito boa, sendo que veio a primeira lesão, onde eu rompi o ligamento cruzado do joelho direito. Foram seis meses parado”. Desta forma, perdeu espaço. Quando recuperado voltou ao Auto Esporte-PB no ano seguinte, onde teve o mesmo problema.

“Tive um grande ano lá, então machuquei de novo e tive que operar de novo”. O jogador não negou o receio acerca do prosseguimento da carreira. Pensamento este rapidamente deixado de lado. “Eu machuquei um e voltei. Eu vou desistir agora? Não. Vou continuar”. E, assim, o fez - até porque hoje uma das principais características do zagueiro é explosão física para se recuperar nas jogadas. Após a disputa do paraibano de 2015, foi para a Série A2 do Pernambucano pelo Vitória de Santo Antão. 

A volta por cima no Náutico 

<i>(Foto: Léo Lemos/CNC)</i>

 

Após a conquista do acesso, rumou para o Pesqueira e, a partir de então rodou por Santa Rita-AL (duas vezes) e CSA até chegar ao Bangu, em 2017. Na equipe carioca, disputou a Série D sem sucesso e caiu na primeira fase. No entanto, teve boa análise, especialmente do técnico, por quem nutre um carinho especial: Roberto Fernandes. “A gente não foi bem, mas ele gostou muito do meu trabalho. Foi o meu primeiro contato com ele. E então ele me trouxe para o Náutico”.

Com o técnico, aliás, Camutanga protagonizou um momento inusitado. Em um jogo contra o Atlético-AC, pela Série C, vazou pelo microfone de transmissão o treinador chamando-o de “bicho burro” mais de uma vez. Na época, o áudio viralizou e o jogador foi alvo de críticas e até ridicularizado pela torcida. Episódio minimizado. “Roberto é muito explosivo. Ele é muito assim. No Bangu ele dizia coisas piores com a gente”, disse. “Um cara que cobra bastante. Então isso é bom também, mas não tenho mágoa nenhuma”. 

Junto com Roberto, Camutanga conquistou o primeiro dos dois objetivos estipulados pelo clube: o título pernambucano do ano passado, tirando o Náutico de uma fila de 14 anos. Este ano, o segundo passo para cair de vez no gosto da torcida - e escrever seu nome na história do clube - com o acesso à Série B. Tendo um papel importante.

No jogo do acesso, ante o Paysandu, salvou uma bola em cima da linha - a equipe paraense abriria 2 a 0. Já no jogo de ida da final, fez um dos gols na vitória por 3 a 1 sobre o Sampaio Corrêa. Feitos individuais que, somados aos coletivos e aliados mais ainda à evolução técnica que teve, o colocam ainda mais em evidência junto aos alvirrubros. Outrora ridicularizado, Camutanga é um dos mais queridos do elenco para os torcedores e uma das prioridades de renovação para 2020.

“Eu tenho que agradecer demais ao Náutico. Se for para ficar, eu quero ficar. Sei que tenho muita coisa para conquistar aqui ainda. Esse clube tem que estar brigando por coisas grandes”, afirmou. Mas se ainda há indefinição quanto ao seu futuro, o jogador tem certeza de uma coisa. Em caso de título da Série C já sabe para onde ir comemorar. “Aí eu tenho que pedir uma folga ao clube. É tradição na minha cidade, eu tenho que vir”, diz.