Santa Cruz

VIOLÊNCIA

'Sempre que um cidadão de bem deixa de ir ao estádio, um pedaço do futebol morre'

Tricolor Maurilio Marcelo da Silva viveu momentos de terror ao lado do filho e do sobrinho, ambos crianças, em ataque de organizada

postado em 04/02/2020 21:40 / atualizado em 04/02/2020 21:43

(Foto: Bruna Costa/DP)
Entre os torcedores do Santa Cruz que estavam no que era para ser uma comemoração pelos 106 anos do clube, na última segunda-feira, havia Maurilio Marcelo da Silva, de 22 anos, acompanhado do seu filho, Ryan Hernanes da Silva, de três anos, e do sobrinho, Gustavo Silva, de dez. O trio costuma ir junto aos jogos do clube. Nesta terça-feira, dia seguinte à confusão provocada por integrantes de uma facção organizada, Maurilio disse ainda não saber se os pequenos, ou ele próprio, terão lugares garantidos nas próximas partidas.
 
Para resgatar simbolicamente a fundação do clube, algumas crianças estavam jogando bola amistosamente no Pátio da Igreja de Santa Cruz, onde o clube foi fundado. Porém, a festa deste ano foi interrompida quando integrantes de uma facção organizada que se apropria da imagem do Sport chegaram ao local armados e atirando, provocando um tumulto generalizado. As crianças presentes no local ficaram divididas num misto de inocência, fragilidade e medo.
 
“Meu sobrinho estava indo jogar bola na hora em que eles invadiram. A gente entrou em desespero. Eu botei o meu filho no braço e corri para o restaurante ali na frente, caí e fui pisoteado várias vezes. Meu sobrinho correu para o lado errado, na direção de onde a Jovem (torcida organizada) estava vindo. Deixei meu filho no restaurante com um amigo e fui atrás do meu sobrinho, quando eu o encontrei, ele estava em desespero total, não sabia o que tava acontecendo”, rememorou Maurilio. “Em todos os jogos levo meu filho e o meu sobrinho comigo, agora vai ficar complicado”, disse.
 
Presenciar atos violentos em encontros esportivos não é algo novo na vida de Maurilio. Em um deles, o pai selou o fim de uma paixão, através de uma promessa. “Ano passado ou retrasado a Jovem invadiu pela Avenida Beberibe, eu estava entrando quando eles invadiram jogando tijolos. Passei aperreio ali também. Em 2013, quando o meu pai desistiu (de ir a jogos), era a própria torcida organizada do Santa Cruz. Foi no jogo contra o Central. Tinha muita briga de bairro. A gente teve que correr e o meu pai sempre teve problema no tendão, aí corremos até a Encruzilhada, e quando chegou lá, estava tendo outra briga, ainda da Inferno Coral, e a gente teve que voltar. Nesse dia meu pai disse que não pisava mais no Arruda”.
 
Traumatizado, Maurilio fala em seguir os passos do pai e também deixar de ir a jogos. “O meu pensamento no momento é de largar. Parar de ir ao campo. Mas também tenho o pensamento de que a violência não pode vencer. No momento eu estou dividido. Essas pessoas ruins não podem tomar o espaço da família. Estádio é espaço de família. Toda vez que um cidadão de bem deixa de frequentar o estádio, é um pedaço do futebol que morre. Eu queria poder apagar esse dia”, finalizou.