Santa Cruz

JOGOS INESQUECÍVEIS

1975: Santa Cruz silencia o Maracanã, vence o Flamengo e alcança as semifinais do Brasileiro

Com dois gols de Ramon e um de Volnei, Santa Cruz garantiu classificação no Maracanã, mas perdeu o meia Mazinho, 'Deus de Ébano', contra o Cruzeiro

postado em 09/05/2020 13:00 / atualizado em 14/05/2020 09:16

(Foto: Arquivo/DP/D.A Press)
O dia é 4 de dezembro de 1975, Rio de Janeiro. Era a última rodada da terceira fase da quinta edição do Campeonato Brasileiro desde a unificação. Com 12 pontos, o Flamengo liderava o Grupo B e jogaria no Maracanã, dependendo apenas de um empate para garantir uma das duas vagas da chave para a semifinal. Porém, do outro lado havia um Santa Cruz pronto para contrariar a lógica e alcançar o seu ponto máximo na história do futebol brasileiro.

Era o auge do futebol tricolor, que recentemente havia concluído o estádio do Arruda e conquistado o Pentacampeonato Pernambucano, em 1973. Mantendo peças importantes daquela campanha, como o meio campista Givanildo Oliveira e o centroavante Ramon, o time era o vice-líder do Grupo B, avançando as fases com 27 jogos, 12 vitórias, 10 empates e apenas cinco derrotas, mas precisava vencer no Maracanã para chegar às finais.

E logo quando a bola rolou, o cenário refletia o favoritismo. O Flamengo não se acomodou com a vantagem e partiu pra cima, sobretudo com Zico no meio de campo, que ocupava Givanildo na marcação e evitava a sua saída para o jogo. Duas oportunidades vieram aos 14 minutos, com o Galinho acionando Paulinho, que finalizou para fora, e o goleiro Jair fechando o canto de Luisinho. A Cobra Coral era acuada no canto e não seria uma tarefa fácil de reverter.

Mas enquanto se resguardava, o Santa Cruz armava o ataque. E depois de segurar o ímpeto dos rubro-negros, começou a sair para o jogo, com a formação clássica que enche os olhos de qualquer torcedor que viu à época: Givanildo e Carlos Alberto iniciando as jogadas, Mazinho armando no meio de campo, Ramon flutuando no ataque, e as investidas dos pontas Fumanchu e Pio. “Esse time jogava muita, mas muita bola mesmo. Era imbatível”, resgata Dirceu Paiva, à época diretor administrativo do clube e hoje guardião da sala de memórias do clube.

(Foto: Arquivo/DP/D.A Press)
E aos 26, o primeiro bote venenoso. “Pio cruzava muito bem e numa falta pela esquerda, eu estava frente para o gol. Quando cabeceei, ela foi no lado esquerdo de Cantarelli e ele se jogou, mas não alcançou. A bola bateu na trave e voltou no meio do gol. Eu caí no lance, mas já com os braços pra me levantar. E ela voltou pra mim. Só encostei, porque se vai com força, poderia subir”, detalha Ramon, responsável por abrir o placar no Maracanã.

Porém, no minuto seguinte, um revés. Em jogada pelo meio, Zico entra na área e Jair ganha a melhor na bola travada. Jogada limpa, exceto pelo árbitro Oscar Scolfaro, que marcou pênalti, convertido pelo camisa dez. “Foi um lance estranho. Tanto que os jogadores do Flamengo continuaram a jogada. Mas isso era bem conhecido na época e a gente sabia que tinha que fazer uma diferença muito grande pra ganhar deles”, conta o centroavante.

(Foto: Arquivo/DP/D.A Press)
Veio então o segundo tempo e outros dois golpes. Por lesão, o time perdeu Pio jogada com Junior ainda na primeira etapa, e depois o ‘Deus de Ébano’ Mazinho, em lance que os tricolores descrevem como “covardia” do zagueiro Luís Carlos, aos 19 minutos. Porém, mesmo com um a menos em campo na ocasião, Givanildo enfiou uma bola para Ramon, que após tabelar com Fumanchu, marcou mais um. “Não foi nem tanto falha do goleiro. Eu peguei no contrapé sem tanta intenção, mas a bola seria prensada pelo zagueiro, e eu mudei o lado do chute na hora e deu certo”, descreve Ramon.

(Foto: Arquivo/DP/D.A Press)
Faltava o bote final, e ele veio como uma espécie de Vingança. Volnei, que substituiu Mazinho, ganhou a sobra de uma bola aérea dividida, carregou para a grande área, escorregou, mas levantou e bateu rasteiro no canto direito, aos 41. O cenário do Maracanã fez o repórter Adonias de Moura, enviado pelo Diario de Pernambuco ao Rio, comparar ao gol do uruguaio Ghiggia na Copa do Mundo. “O silêncio que cobriu a catedral do futebol brasileiro fez recordar aos mais velhos que se encontravam no Maracanã, a tarde de julho de 1950, quando o Brasil foi derrotado pelo Uruguai.”

A vitória por 3 a 1, por força de regulamento, deu três pontos e a liderança ao Santa Cruz, que teve a vantagem de jogar em casa a semifinal do Brasileirão. Na chegada ao Recife, o time foi recebido com carreata e festa no Aeroporto dos Guararapes. O time acabou a campanha em quarto lugar. eliminado pelo Cruzeiro. Por sua vez, os mineiros perderam o título para o Internacional, mas se sagrariam campeões da Libertadores no ano seguinte, mudando apenas duas peças na escalação que venceu no Arruda.

Ficha do jogo

Flamengo 1
Cantarelli; Júnior, Jaime, Luís Carlos e Rodrigues Neto; Limimha (Edson) e Tadeu; Paulinho (Doval), Luisinho, Zico e Luís Paulo. Técnico: Carlos Froner.

Santa Cruz 3
Jair; Carlos Alberto, Lula, Levi Culpi e Pedrinho; Givanildo e Carlos Alberto Rodrigues; Luís Fumanchu, Mazinho (Volnei), Ramon e Pio (Alfredo Júnior). Técnico: Paulo Emílio.

Local: Maracanã-RJ
Arbitragem: Oscar Scolfaro
Assistentes: Afonso Vitor de Oliveira (PR) e Nuno do Valmacieira (SP)
Público: 74.019 torcedores
Renda: Cr$ 1.057.209,50.

A lesão de Mazinho, grande perda do Santa Cruz

(Foto: Arquivo/DP/D.A Press)
A festa do Santa Cruz no Maracanã só não foi completa pela perda de Mazinho para a semifinal contra o Cruzeiro. Ao ser atingido por Luís Carlos, aos 19 minutos do segundo tempo, o ‘Deus de Ébano’ do Arruda sofreu a ruptura completa do ligamento cruzado medial do joelho, segundo o diagnóstico do médico Bráulio Pimentel.

Mazinho era o grande armador do meio de campo da equipe. Tanto que, na sua ausência por uma acusação de ‘doping’, o clube perdeu pontos importantes nos seis primeiros jogos da primeira fase do campeonato daquele ano. “Mazinho tomava um remédio para emagrecer e o doping da época não tinha essa medicação. Mas depois mudou o sistema porque já havia o interesse de tirar ele do Santa Cruz, mas no fim ele foi absolvido”, lembra Dirceu Paiva.

Companheiro de time, o artilheiro Ramon destrincha uma série de características que faziam de Mazinho uma peça fundamental na equipe. “Ele era o articulador do time, o cara que puxava contra-ataque, fazia os lançamentos, aproximava muito comigo, atraía marcação e apoiava.” E afirma. “Foi uma covardia o que fizeram com ele.”

A mesma palavra é usada por Givanildo para descrever a lesão de Mazinho. “Foi covardia. O zagueiro foi por cima e terminou arrebentando ele. Tiraram ele do jogo e era uma peça muito importante para o time.”

A campanha em 1975

Primeira Fase - Num esquema semelhante ao da Copa do Nordeste atual, o Santa avançou em 4° lugar empatado nos critérios com o Figueirense no Grupo C, atrás de Flamengo, Grêmio e América-RN. Uma vitória a partir de dois gols de saldo (valiam três pontos), outras duas vitórias comuns (dois pontos cada) e cinco empates.

24/08 - Santa Cruz 1 x 2 São Paulo
28/08 - Santa Cruz 1 x 1 Vasco
03/09 - Santa Cruz 2 x 2 Goiás
10/09 - Internacional 1 x 0 Santa Cruz
14/09 - Americano-RJ 1 x 4 Santa Cruz
17/09 - Desportiva-ES 1 x 0 Santa Cruz
21/09 - Santa Cruz 1 x 1 Bahia
24/09 - Santa Cruz 1 x 0 Náutico
28/09 - Santa Cruz 3 x 3 Sport
01/10 - CEUB-DF 0 x 0 Santa Cruz
05/10 - CSA 0 x 1 Santa Cruz

Segunda Fase - No mesmo esquema de disputa, avançou invicto em segundo do Grupo 2, atrás do Internacional e à frente de Flamengo, São Paulo, Grêmio e Sport.

08/10 - Cruzeiro 1 x 1 Santa Cruz
11/10 - Santa Cruz 1 x 0 Corinthians
14/10 - Coritiba 0 x 1 Santa Cruz
18/10 - Santa Cruz 0 x 0 Guarani
22/10 - Santa Cruz 2 x 0 Atlético-MG
25/10 - Palmeiras 2 x 3 Santa Cruz
29/10 - Santa Cruz 0 x 1 Fluminense
01/11 - Santa Cruz 1 x 1 Tiradentes-PI
05/11 - Remo 0 x 0 Santa Cruz
08/11 - América-RJ 1 x 3 Santa Cruz

Terceira Fase - Agora, sim, com todos do mesmo grupo duelando entre si. Terminou como líder, com 14 pontos, à frente do Internacional.

12/11 - Santa Cruz 1 x 0 Internacional
15/11 - Santa Cruz 2 x 1 Grêmio
19/11 - Santa Cruz 1 x 1 Portuguesa
22/11 - Sport 1 x 3 Santa Cruz
26/11 - São Paulo 1 x 0 Santa Cruz
30/11 - Náutico 1 x 4 Santa Cruz
04/12 - Flamengo 1 x 3 Santa Cruz

Semifinal

07/12 - Santa Cruz 2 x 3 Cruzeiro
 
Curiosidades
  • Devido ao televisionamento direto da partida entre Flamengo x Santa Cruz, a rodada do Torneio Maranhense que seria disputada na quinta feira, dia do jogo, foi adiada para o dia seguinte. Moto Club x Ceub, Sampaio Correa x CSA.

  • Após a vitória, o pernambucano Ademir de Menezes (Queixada), ídolo na Seleção Brasileira, esteve presente para dar os parabéns aos tricolores. "Estou aqui porque meu coração é pernambucano. Nunca desejei tanto a derrota do Flamengo como hoje. Vou dar um abraço em Paulo Emílio e nos meninos."

  • O bicho pago no vestiário foi de Cr$ 1,4 mil pela vitória e R$ 5 mil pela classificação. Volnei teve o passe comprado na véspera do jogo contra o Flamengo, com o Santa pagando os primeiros Cr$ 50 mil e parcelando os outros Cr$ 200 mil em 10 vezes. Mazinho também tinha acertado a renovação por mais um ano com o Santa Cruz, por Cr$ 200 mil antes mesmo da goleada por 4 a 1 sobre o Náutico.

  • A classificação do Flamengo era dada como certa não apenas pelos torcedores cariocas como também pela própria CBD, antiga CBF, que havia tabelado os horários e os preços de 'rodada dupla' para as semifinais de Flamengo x Cruzeiro e Fluminense x Internacional.
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